Quando leio a poesia de Gilka Machado (1893-1980) costumo lembrar da poesia de Florbela Espanca (1894-1930), seja porque ambas levaram para seus versos a indignação com a condição da mulher aprisionada aos conceitos machistas da época, seja porque ambas carregaram seus poemas de sensualidade.
A própria Gilka se definia como uma mulher "nascida para o pecado" e, apesar de sua produção poética ter sido considerada, em alguns momentos, como imoral, conseguiu uma popularidade impressionante; de resto, evidência do quanto as mulheres se identificavam e tomavam para si o que aquela poesia clamava.
Enquadrada no simbolismo, ou, às vezes, num momento mais perto do modernismo - por conta de certos livros -, publicou mais de uma dezena de títulos e teve a obra reunida em edições nos anos 1978 e 1991.
O romancista baiano Jorge Amado foi o capitão de sua candidatura à Academia Brasileira de Letras, todavia a poeta assim não desejou. Pouco depois, a Academia conferiu-lhe o prêmio Machado de Assis.
Teus olhos me olham numa tortura
Tua mão contém a minha
Nada me dizes,
Teu olhar abre os braços,
Tem teu mórbido olhar
FECUNDAÇÃO
-----------Gilka Machado
Teus olhos me olham
longamente,
profundamente,
imperiosamente...
De dentro deles teu amor me espia.
Teus olhos me olham numa tortura
de alma que quer ser corpo,
de criação que anseia ser criatura.
Tua mão contém a minha
de momento a momento:
é uma ave aflita
meu pensamento
na tua mão.
Nada me dizes,
porém entra-me a carne a persuasão
de que teus dedos criam raízes
na minha mão.
Teu olhar abre os braços,
de longe,
à forma inquieta de meu ser;
abre os braços e enlaça-me toda a alma.
Tem teu mórbido olhar
penetrações supremas
e sinto, por senti-lo, tal prazer,
há nos meus poros tal palpitação,
que me vem a ilusão
de que se vai abrir
todo meu corpo
em poemas.
in Sublimação, 1928
in Sublimação, 1928
18 comentários:
Poema deslumbrante. E uma mulher nascida no XIX dizer-se "nascida para o pecado"... adorê!
Gerana,
Obrigado por nos dar a oportunidade de conhecer seu espaço literário. Aproveito a ocasião para lhe agradecer também a visita e comentário na Revista Diversos Afins.
Grande beijo!
Nascida para o pecado da poesia, dos versos cheios de arroubos. Abraço.
Achei muito interessante este post, Gerana, pois conheço pouco de Gilka Machado e de sua poesia.
O reconhecimento veio tarde, mas ainda em vida. Não vejo nada de imoral em versos como
Teus lábios inquietos
pelo meu corpo
acendiam astros...
Quem me dera provocar tais versos em numa mulher!
Valeu, Assis, já coloquei o "r". Adorei seu cuidado e sua atenção.
Abração.
Também conheço pouco da poeta, Gerana. Mas que poema lindo! Vou procurar ler mais da sua obra. Como é bom passar por aqui. :) bjo.
Este é um espaço que nos enche de beleza.
Adorei. Bela descoberta.
Nossa!!! Que belo!
E olha que gosto tanto de Florbela que ofendo-me quando comparam alguma outra poetisa com ela. rsrs
Adorei.
Beijos
Gilka foi uma pioneira, na década de 40 dos anos 1900, conquistou o título (não sei conferido por qual entidade, pois só tive notícia) "o maior poeta brasileiro". Notar que não a maior "poetisa", sim "poeta", englobando todos os poetas nos 2 gêneros, ainda não se usava dizer poeta tb para mulheres. Mulher corajosa que enfrentou os preconceitos referentes à negação das emoções naturais. O poema é muito expressivo, mas não conheço seus livros.
Poea deslumbrante mesmo, Maria. A foto é maravilhosa.
Gerana, obrigada pelo carinho com que lê o que escrevo.
Um beijo,
Martha
Gerana, e agora? Eu quero ser bahiana e nasci gaucha!!!
Gerana, e agora? Eu quero ser bahiana e nasci gaucha!!!
Poema de uma beleza intensa.
Que finzinho adorável!
Beleza mesmo, super moderno. Ela era quente, em todos os sentidos!
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