Gerana Damulakis
São incontáveis os romances, grandes romances, que narram uma paixão avassaladora. Mas quando trato deles, os dois primeiros títulos que chegam à memória são invariavelmente os mesmos. Por mais que eu leia, os romances emblemáticos do tema permanecem.
A atmosfera do desespero amoroso é o centro dos romances Servidão Humana e Um Amor. Creio que o leitor, diante de um sentimento tão avassalador, que apaga todos os demais interesses da vida do personagem, acaba criando menos cumplicidade e mais piedade para com o coitado sofredor. Ainda que compreendamos a intensidade da loucura da paixão, fica instigante procurar sua razão. Não há razão, dirão os mais românticos. Há perguntas.
Em Servidão Humana (Globo, 2005), de Somerset Maugham (1874-1965), o personagem Philip Carey, estudante de medicina, sente que, por ser manco, é rejeitado. Quando aparece a mulher sedutora, Mildred, conquistá-la passa a ser o seu grande desafio. Philip se presta a tudo, sua vida é a total servidão ao amor, mesmo que fira sua dignidade. Paixão é desafio?
Outro exemplo está em Um amor (Nova Fronteira, 2003), de Dino Buzzati (1906-1972), história de um desenhista de cenários tímido e extremamente solitário, Antonio Dorigo, que se apaixona por uma prostituta chamada Laide. Cada vez mais ele vai conhecendo detalhes sobre a vida da moça, sente-se enredado por mentiras que ela cria, que ele sabe que são mentiras e nelas se perde. A obsessão de Dorigo é tirar Laide daquela vida, sem perceber que, na verdade, esta ânsia apaixonada vem da busca por um sentido para a sua própria vida. Paixão é uma forma de preencher o vazio?
Leitor: qual título de romance, que narra uma paixão avassaladora, surge primeiramente na sua memória?
28 comentários:
"Os sofrimentos de Werther", Goethe.
Ótima lembrança, aero. Esqueci completamente dele e olhe que, à época, chegou a influenciar as pessoas.
Sou uma romântica e acredito nos romances com final feliz - apesar das dificuldades. "Jane Eyre" é um deles, talvez o meu favorito.
Quanto aos lugares, nunca é tarde para começar. Procure lembrar de algum lugar que tenha lhe marcado dessa maneira e volte! Ou vá a novos lugares aberta para sentir isso.
Nós, mães, temos que tomar cuidado para não privar os filhos de ter suas próprias experiências e vivências. O que vale para um pode não valer para outros e vice-versa.
Beijos, Gerana!
Pensei logo, não num romance, mas no drama Romeu e Julieta. Tudo começa e termina rapidamente: primeiro encontro, primeira relação, casamento e morte de ambos. Fim.
Lembrei logo depois de Ana Karenina e Vronski, o sofrimento do marido e a morte de Ana, trágica.
Flamarion: realmente nas tragédias encontramos vários exemplos.
Quis ficar nos romances. Anna Kariênina é exemplar, afinal ela acaba com a própria vida literalmente. Ótima lembrança!
Paixão! quando a gente faz tudo errado pensando que está certo. Amar mais do que se pode. Livros. Vidas.
Valéria:há romances, tais como Orgulho e Preconceito (ou qualquer um dos 6 romances de Jane Austen), onde encontramos um final, digamos, esperançoso (para não dizer "feliz", que remete ao água com açúcar dos contos de fada).
As irmãs Brontë, já que você cita Jane Eyre, também teceram romances assim, ou seja, com final feliz, mas engenhosos.
Eu queria a lembrança de um romance de paixão, a paixão que cega, que faz o personagem esquecer de si mesmo.
Excelente, Maria: "Amar mais do que se pode".
Dos amores verdadeiros e completos não reza memória. Porque será? Porque são vividos?
Sempre foi Servidão Humana. Li na adolecência e nunca esqueci o ponto a que desceu o estudante de medicina. Nenhum outro personagem me pareceu tão servil quanto o Phil. Mas agora me lembro do amante de Lolita, cujo nome não estou recordando, também se tornou vassalo dos caprichos da menina.
cduxa:seu comentário lembrou-me uma frase belíssima de um escritor baiano. Trata-se de Guido Guerra. Quando ele tomou posse na Academia de Letras da Bahia, durante seu discurso, disse, referindo-se à sua esposa: "Aquela que não precisou ser impossível para ser eterna" (estou citando de memória, mas o conteúdo foi esse).
É isso, é uma raridade.
Gláucia: você é a primeira a concordar comigo ao citar Servidão Humana. Sinal de que o romance nos tocou de forma semelhante.
O personagem de Lolita, de Nabokov, é Humbert Humbert, que acabou fazendo tudo que a menina Dolores queria.
O Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Brontë.
A irmã de Emily, Charlotte Brontë, era mais romântica.
Cero, Anna, mas Heathcliff acaba enterrado junto cam Catarina e o casal passa a ser visto vagando pelo morro. Muito romântico!
Leia "certo", em lugar de "cero".
Eu poderia dizer Madame Bovary, de Flaubert,só que Emma não se apaixonava mesmo, ela criava paixões para fugir do cotidiano mesquinho ao lado daquele marido tacanho.
Pedro: mas as paixões, aqui apresentadas, são criações, seja para preencher o vazio da vida (é o caso de Um Amor, de Buzzati), seja para desafiar a si mesmo (como em Servidão Humana, de Somerset Maugham). Então, Madame Bovary é um bom exemplo.
E Luísa de O Primo Basílio, de Eça? Vão achar que é outra personagem entediada e não apaixonada.
Claro, Pereira. Tanto que ela morreu graças ao desgaste sofrido com a chantagem da empregada Juliana e não porque estava apaixonada.
Gerana:
Fico corada com os teus elogios ...hoje nem tive coragem de postar um escrito. Vês o problema?Tenho certa dificuldade em ser confrontada com o que escrevo. Obrigada por estares a desbravar isso.
Bem. Também fui louca por esses autores, como Somerset Maugham, mas dele recordo especialmente «O Fio da navalha», embora a «Servidão Humana» também me tenha marcado. Li tão cedo o «Amor e o Ocidente» de Denis de Rougemont, que penso que intelectualizei cedo demais as personagens...
Beijinho
Ana: não li O amor e o ocidente. Sei frases. Ele entendia de paixão.
"O que o lirismo ocidental exalta não é o prazer dos sentidos, nem a paz fecunda do casal. Não é o amor satisfeito mas sim a paixão do amor. E paixão significa sofrimento." de O amor e o ocidente,Denis de Rougemont (em tradução, veja de quem: Anna Harthely).
Obrigada pela contribuição.
Ainda hoje passados mais de 20 anos da leitura de Servidão Humana, não há nenhuma visão de um pé boto que não mo traga à memória.
Os Maias também é uma obra recorrente nas associações que faço a (des) amores destinados à impossibilidade.
Excelente ideia, Gerana, esta.
Os comentários levaram-me de novo em viagem (mas agora sem cansaços)por obras que ainda hoje me fazem sentir o perfume dos lugares onde os li: as irmãs Brontë e Cyrano de Bergerac.
Um abraço
Maria Helena
Maria Helena: eu também pensei n'Os Maias.
Que bom tê-la aqui. Saudades. Beijo grande.
Olá Gerana, Orgulho e perconceito... ou qualquer um de Jane Austen.
Boas leituras
Citarei dois romances descobertos através de Olavo de Carvalho, nos 5últimos anos que, realmente, parecem-me imprescindíveis: O processo Maurizius, do judeu alemão Jakob Wassermann, e A 25ª hora, do romeno C. Virgil Gheorghiu. Os dois só possuem traduções antigas, não foram reeditados, pelo que eu sei. O primeiro, a tradução é de Octávio de Faria e Adonias Filho, e o segundo, a tradução é de Vitorino Nemésio. Grande abraço e vida longa, Gerana!
Certamente "Servidão humana", Gerana. Foi uma experiência agonienta lê-lo.
Hipergheto: boas dicas, como sempre. Conheço Jacob Wassermannn, autor de Kasper Hauser, que virou um grande filme.
O livro de Alba chegou: é excelente!
É , João, os homens sentem essa agonia ao lerem a paixão avassaladora que o personagem enfrenta em Servidão Humana. Abraço.
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