terça-feira, 8 de dezembro de 2009

"A LITERATURA É O NAVIO"

Gerana Damulakis

Conversando com Hélio Pólvora sobre a excelência dos ensaios críticos do escritor peruano Mario Vargas Llosa (1936- ), lembrei-me, logo que desligamos, que o escritor nascido no Panamá, naturalizado mexicano, Carlos Fuentes (1928- ), é outro exemplo de excelente prosador e ensaísta. Tenho especial apreço pelo romance Diana ou a caçadora solitária, de Fuentes, cuja resenha que fiz para o jornal A Tarde, à época, trazia todo o meu entusiasmo pela narrativa, embora A morte de Artemio Cruz seja visto como um romance superior (ambos os romances de Fuentes citados foram editados pela Rocco).

Retirei da estante o volume Geografia do romance (Rocco, 2007), já passando para a lembrança direta de um trecho no qual Carlos Fuentes escreve sobre a questão do deslocamento quando lemos. Neste trecho está exatamente o que se passa comigo, o transporte para o local da narrativa, a ponto de precisar de um instante para, ao fechar um livro, voltar completamente para meu lugar, para meu tempo.

O deslocamento é a ação da literatura. Abandonamos nossa aldeia e saímos para descobrir o mundo. Abandonamos os mortos e seus mitos, abandonamos o mundo dos deuses, saímos para viajar e lutar e criar os mitos do homem. Tentamos regressar ao lar e nem sempre chegamos. Abandonamos nossa própria pele para converter-nos em outros. Viajamos, como Xavier de Maistre, ao redor do nosso quarto; ou, como Julio Verne, ao centro da Terra. Até o farol, até a montanha mágica: a literatura é o navio, afinal, da viagem interna em que, como assinala Freud, o trabalho da vida se transforma no trabalho dos sonhos, e as substituições entre o que fomos, o que somos e o que seremos têm lugar (ou antes o deixam).
Carlos Fuentes
in Geografia do romance

6 comentários:

Adriana Riess Karnal disse...

belíssimo texto, Gerana.

Rafael Castellar das Neves disse...

Olá Gerana!!

Estou me deliciando em seu blog. Além das ótimas dicas, está repleto de conhecimento que você compartilha conosco!! Muito bom....

Rafael

Non je ne regrette rien: Ediney Santana disse...

A literatura tem dessas coisas de abandono consentido do autor aos olhares bisbilhoteiros do mundo

Anônimo disse...

sem medo de errar

Ana Tapadas disse...

Excelente testemunho de leitora especialista.
Beijinho

Unknown disse...

Entre viagens e geografia e diante da citação de Hélio Pólvora, lembrei-me de um deste chamado O mar de Azov. Acho que é o conto-título do livro. Arrebatamento, deslocamento, transfiguração, encontrei-os todos.