quinta-feira, 14 de maio de 2009

UM POEMA DE MYRIAM FRAGA

Gerana Damulakis

Estive na Academia de Letras da Bahia e em conversa do tipo uma coisa puxa outra com a poeta Myriam Fraga, acabei falando de meu pai (como sempre!) e lembramos quando nós duas fomos para o Rio de Janeiro na ocasião de alguma Bienal do Livro. Meu pai e meu irmão me levaram ao aeroporto e nós quatro conversamos até o momento em que Myriam e eu embarcamos. Mas ela lembrou também que sempre encontrava com meu pai e minha mãe na Perini, nos sábados pela manhã. Tempos idos, findos, enfim. Myriam é como eu, tem muito de Electra dentro da alma. Os psicólogos diriam que somos “edipianas”, mas só entendo de literatura e é Electra quem personifica o amor da filha pelo pai.
Basta uma amostra tal como a fala de Electra diante das suas “nobres amigas” (o coro), que vieram minorar suas dores, na tragédia de Sófocles, intitulada Electra: “Não tem um mínimo de sentimento/ quem consegue esquecer por um instante/ a morte trágica de um pai amado”.
A Electra trata do retorno de Orestes (irmão de Electra) a Micenas para vingar a morte do pai. O tema da Electra foi tratado também por Ésquilo, nas Coéforas, e por Eurípedes. Para adiante, longe da idade heróica da Grécia, Eugene O’Neil e também Ezra Pound retomaram o assunto. Da Elektra do dramaturgo Von Hoffmannsthal, Richard Strauss extraiu uma ópera.
Voltando para Myriam e para o que ela me disse. Disse-me que a dor da perda não passa, fica um vazio roendo aqui dentro. Revelou que seu poema “Março” foi construído por conta dessa dor. Logo que cheguei, o que fiz? Quem me conhece, nem precisa pensar: peguei o livro de Myriam e li “Março”, agora sabedora do que detonou o poema. Só que olhando o índice do livro Poesia Reunida descobri que na parte referente aos inéditos há um poema intitulado “Meu pai”. Li. Chorei, reli. No dia seguinte, fui achar de ler para Aramis Ribeiro Costa em voz alta (claro!). Quase não cheguei ao fim, embarguei a voz, me arrepiei, lágrimas saltaram. Os olhos de Aramis marejaram. Contei tudo isto para a própria Myriam, porque fui outra vez à Academia (estou voltando..., por sinal, foi ótimo, li um poema de Antonio Brasileiro que adoro, “Das coisas memoráveis”, o qual até já foi postado aqui meses atrás).
Mas, antes de contar mais, quero colocar as estrofes finais de “Meu pai”, de Myriam Fraga:

Penso em meu pai e, num sonho, novamente,
Como num filme antigo, me vejo a seu lado,
Como se não houvesse entre nós esse espaço,
Esse rio que separa o tempo em duas partes,
Como se não houvesse esse hiato, como se...

Eternidade, talvez, seja a palavra exata.

In Poesia reunida (Assembléia Legislativa do Estado da Bahia, 2008).

Como Myriam é tão emotiva quanto eu, logo depois de ouvir minha historinha, ela também se emocionou e, como poeta, expressou o quanto é importante quando alguém sente tão profundamente o que ela escreve. Eu disse: “Myriam, obrigada pela emoção que seu poema me proporcionou”. Ela virou-se para Edivaldo M. Boaventura e falou algo como: “Quando acontece uma coisa assim, a gente sente o quanto a arte vale a pena”.
Myriam: se um poema é capaz disso, é porque todavia há solução para este mundo que anda parecendo tão insensível. Vale a pena!

6 comentários:

pereira disse...

A Myriam é a poeta da minha admiração mais profunda.

glaucia lemos disse...

E toda filha que perdeu um pai ao qual continua idolatrando, fica também de olhos marejados, depois de sua crônica. Como eu.

glaucia lemos disse...

Pereira, mandei um comentário a sua explicação pelo D.Gláucia, lá nos comentários da crônica sobre a obra ficar maior que o autor, acho que do dia 13. Para você não pensar que não entendi o D.Gláucia. Và lá. Um beijo.

Gustavo Felicíssimo disse...

Pôxa, Gerana, não é fácil não. Ao contrário de você (é o que me parece), não tive uma relação muito próxima com meu pai, entretanto, até hoje, sua ausência sempre me foi muito sentida. Volto aos poemas de Myriam Fraga e como vc, também me sinto muitíssimo emocionado.

aeronauta disse...

Sua crônica falou de mim e de meu pai: uma história também eterna.

Lima Trindade disse...

Pensar a perda sempre nos toca, ainda que não seja uma perda real, mas simbólica... Bonito texto e belo poema. Beijão, Gerana.