terça-feira, 26 de maio de 2009

SONETOS EM PORTUGAL

Ildásio Tavares


Antônio José Queiroz (o chamo Tonzé, carinhosamente), grande poeta, grande pessoa, encantado com meus modestos sonetos, sugere que eu faça com eles um livro e os edite pela Labirinto de Fafe, uma das mais tradicionais editoras de poesia de Portugal. Aceito sem mais delongas. Pessoa diz: o homem sonha, Deus quer, a obra nasce. Assim nasceram As Flores do Caos, 68 sonetos peneirados de mais de 800 que já escrevi, desde a adolescência, e postos na rua pelo editor da Labirinto, o encantador João Arthur Pinto que, com sua mulher, Cristina, puxaram o tapete para este velho poeta no Porto.
No Porto, uma confusão de muitas esteiras que os portugueses botam fora de ordem, justamente para atrapalhar baiano. Corri pra lá e pra cá até achar a esteira n° 6 que, com uma lentidão baiana, me devolveu minha pequena mala. O cara da alfândega, braços cruzados, sorridente, me fez sinal, “venha”. Nada de sinal verde ou vermelho, bens a declarar, nada a declarar. Eles implicam com brasileiro mesmo.
Quando abriu minha mala cheia de livro, o fiscal nada disse. Só fez futucar lá embaixo de minha mala com aquelas mãos nodosas que nunca viram um livro. Me liberou.
Lá fora, a presença sempre augusta de Francisco Topa, uma das maiores autoridades em Gregório de Mattos, no mundo, senão o maior, com sua alentada de mais de duas mil páginas. Topa é meu filho acadêmico em Portugal e me orgulho muito de sua seriedade, argúcia e tirocínio. Ele e Teresa formam um belo casal e até adotaram um casal de miúdos, Pedro e Jéssica, esta xará de minha filha mais velha. Topa me leva, sorridente, ao meu hotel predileto no Porto, o Grande Hotel Paris, fundado em 1880 e que era a coqueluche na Belle Époque, com seus vitrais, com seu teto de gesso finamente trabalhado, com a classe e a categoria de seus recepcionistas.
E começam os lançamentos. O primeiro na Universidade do Porto, promovido pelo Chico Topa, em que fiz uma conferência sobre a presença de Angola na Bahia. O segundo na Biblioteca Municipal de Fafe, onde uma platéia seleta foi surpreendida pela minha atitude incomum em lançamento. Ao invés de dissertar sobre minha obra, o que eu não faria com prazer, mandei distribuir o livro entre os presentes e lhes pedi que escolhessem um soneto de seu gosto e que lessem para nós. Foi um sucesso. Tonzé começou sugerindo a leitura dos IX Sonetos da Inconfidência, que ele acha meu melhor trabalho. Depois vieram as escolhas do público. E ficamos até tarde lendo poesia.
Refleti que o melhor que um poeta pode dizer está nos seus versos. Ao dar ao público a chance de ler os poemas, o poeta está ouvindo o seu pensamento, a sua música, com a inflexão do outro com a expressão do outro, uma outra leitura, diferente da sua. É uma experiência muito rica, para a platéia como para o autor que, inclusive, quebra a atitude de estrelismo que poderia assumir, e se irmana, democraticamente com o público.
Em Lisboa repeti a experiência com igual sucesso.

Foto: Porto - Portugal, por Francisco - PortoNorte, retirada do Flickr.

6 comentários:

pereira disse...

Mestre Ildásio: imagino quão delicioso deve ter sido esse encontro com nossos irmãos além mar.

anna disse...

Este livro terá lançamente aqui, professor?

glaucia lemos disse...

É isso aí, Ildásio, enviei-lhe por email um comentário sobre esses eventos, cuja notícia já tinha recebido. Parabéns de novo. Abraço.

Gustavo Felicíssimo disse...

Também compartilho da opinião de que IX SONETOS DA INCONFIDÊNCIA formam o melhor da poesia do mestre IT.

Pedro disse...

São tantos os sonetos do mestre Ildásio, tantos que não sei apontar o melhor ou os melhores.

Gerana Damulakis disse...

Eu sou aficcionada confessa: os portugueses estenderam o tapete vermelho, pois eu os acompanho e tiro o chapéu para a poesia de Ildásio Tavares.