segunda-feira, 6 de outubro de 2008

ADORMECIDA


Castro Alves

Uma noite, eu me lembro... Ela dormia
Numa rede encostada molemente...
Quase aberto o roupão... solto o cabelo
E o pé descalço do tapete rente.

'Stava aberta a janela. Um cheiro agreste
Exalavam as silvas da campina...
E ao longe, num pedaço do horizonte,
Via-se a noite plácida e divina.

De um jasmineiro os galhos encurvados,
Indiscretos entravam pela sala,
E de leve oscilando ao tom das auras,
Iam na face trêmulos — beijá-la.

Era um quadro celeste!... A cada afago
Mesmo em sonhos a moça estremecia...
Quando ela serenava... a flor beijava-a...
Quando ela ia beijar-lhe... a flor fugia...

Dir-se-ia que naquele doce instante
Brincavam duas cândidas crianças...
A brisa, que agitava as folhas verdes,
Fazia-lhe ondear as negras tranças!

E o ramo ora chegava ora afastava-se...
Mas quando a via despeitada a meio,
Pra não zangá-la... sacudia alegre
Uma chuva de pétalas no seio...

Eu, fitando esta cena, repetia
Naquela noite lânguida e sentida:
"Ó flor! - tu és a virgem das campinas!
"Virgem! - tu és a flor de minha vida!..."

De "Espumas Flutuantes".
Foto da Praça Castro Alves, em Salvador - Bahia, de koichimura, retirada do Flickr.

6 comentários:

Anônimo disse...

Este poema me reporta a uma cena da minha infância. A esposa de um dos meus tios, tia Brasilina, que adorava declamar, dizia esses versos com muito sentimento. Enquanto ela declamava eu via a cena na minha mente, e me acostumei a ela como uma amostra de lirismo tocante.

Anônimo disse...

De lirismo e de erotismo, repare.

Anônimo disse...

Anna: Nunca me liguei ao toque de erotismo porque li que o poeta escreveu este poema em uma tarde em que sua irmã Adelaide, à qual era muito apegado, viveu a cena adormecida em uma rede. Sendo para a irmã...

Anônimo disse...

Prezada Gláucia: não posso me calar quando se trata da vida de Castro Alves. O poema "Adormecida" foi escrito em novembro de 1868, em São Paulo, logo após o acidente que vitimou o poeta, em 11 de novembro daquele ano. Ele estava hospedado na casa do Dr. Luís Lopes Batista dos Anjos, médico baiano residente em São Paulo, e que era pai de Maria Amália Lopes dos Anjos, a quem todos chamavam "Sinhá" ou "Sinhazinha", e que foi uma enfermeira incansável para ele, mesmo porque, tudo indica, estava apaixonada pelo poeta. Para ela, ele já havia escrito "O Laço de Fita", numa festa, quando ainda estava com Eugênia. Tudo indica que tenha sido para ela, também, o poema "Adormecida", mesmo porque Adelaide, a irmã, não se encontrava em São Paulo, e sim na Bahia, na ocasião. Um grande abraço, do leitor, amigo e admirador, Aramis Ribeiro Costa.

Alexandre Core disse...

Castro Alves...excelente lembrança.

Anônimo disse...

ARamis, eu tinha respondido a sua informação sobre a musa inspiradora do Adormecida de Castro Alves. Eu lera em algum lugar, há muito tempo, que teria sido Adelaide a irmã preferida do poeta, que adormecendo na rede uma tarde,o inspirara. Não me recordo onde fiz a leitura, mas vocÊ tem a informação completa inclusive respaldada em datas. Sabemos que informações em torno das celebridades de todas as áreas aparecem de vez em quando, infundadas ou não. Já que você comprova sua afirmação, eu que não tenho como comprovar a minha, nem por que duvidar da sua, agradeço a retificação e lhe envio um beijo, com licença de Gerana.