domingo, 2 de setembro de 2007

CONTO DO MÊS

O VESTIDO PRETO


Aramis Ribeiro Costa


Virgínia sentia-se particularmente triste, naquela tarde. Andando pelas alamedas do shopping, pensava mais na sua vida de trabalho, rotinas e privações do que apreciava as vitrines que, afinal, pouco representavam para ela, já que não havia intenção de comprar coisa alguma. O marido era um homem trabalhador, e ela também trabalhava, mas os salários de ambos apenas permitiam que pudessem viver uma vida decente, com os dois filhos na escola, a mesa posta, a roupa necessária, as contas pagas. Diversões, nada além da televisão rotineira, da praia aos domingos e dos eventuais passeios aos shoppings, com os gastos controlados.
Naquela tarde, após o trabalho, sentindo o tédio da sua vida ainda maior do que nos outros dias, resolvera andar um pouco sozinha pelo shopping, antes de ir para casa. Seus passos eram lentos e sem rumo, e os olhos passeavam pelas vitrines como se efetivamente se interessassem por elas. De súbito, chamou-lhe a atenção um vestido, posto em destaque na vitrine de uma pequena loja. Era um vestido preto, de tecido fino, com um acabamento perfeito, que lhe pareceu belo e extremamente elegante no manequim.
Virgínia parou. Diante do vestido, que representava o contraste da sua vida modesta, sentia um misto de encantamento e frustração. Jamais tivera um vestido daquele, jamais teria um vestido daquele. Pensava isso, quando notou que uma vendedora saíra da loja e observava-a.
— Boa tarde — disse afinal a vendedora, sem sorrir. — Posso ajudá-la?
Virgínia ia dizer que não e afastar-se. Mas teve a curiosidade de saber quanto custava aquele lindo vestido preto.
— Este vestido — apontou ela, com encantamento. — Quanto custa?
Em lugar de responder, a vendedora olhou-a de cima a baixo, sem pressa, avaliando com olhar experiente as suas roupas simples, e não apenas as roupas, mas todo o conjunto que denunciava uma pessoa sem posses.
— Este vestido? — perguntou enfim a vendedora, não se sentindo animada a revelar o preço. E disse: — Este vestido é muito caro. Nós temos outros, mais baratos. Você não quer ver outro?
Foi como uma bofetada. Não era tola. Aquela mocinha acabara de insinuar que ela não podia comprar aquele vestido. Sentiu-se ofendida, humilhada. Mas não retrucou a ofensa com palavras. Controlando-se, disse apenas:
— Não. Eu quero ver este.
A vendedora tornou a olhá-la inteira.
— Você quer saber o preço, não é? — perguntou com desdém.
— Não — tornou a dizer Virgínia, procurando dar à voz uma entonação firme. — Eu quero experimentar o vestido.
Por uns momentos, a vendedora não saiu do lugar. Finalmente, dando-lhe passagem, indicou a porta com um gesto:
— Entre. Qual é o seu número?
Virgínia disse, a moça pegou um vestido exatamente igual ao da vitrine, entregou-lhe. Virgínia tomou-o e dirigiu-se ao reservado. Tirou a roupa que usava e vestiu-o, mirando-se no espelho.
— Então? — perguntou a vendedora do lado de fora do reservado, por detrás da porta fechada.
Diante do espelho, Virgínia permanecia em êxtase. Olhava-se, olhava-se. Nunca se vira tão linda, na verdade nunca pensara que ficaria tão bela vestida daquela forma. O vestido caíra no seu corpo esbelto como se fora confeccionado sob medida.
— Ficou bom? — insistiu a vendedora, do lado de fora.
Virgínia abriu a porta, mostrou-se; queria que ela a visse. A vendedora não escondeu a surpresa. Voltou a olhá-la de cima a baixo, porém agora com admiração. Virgínia sorriu.
— Então? — perguntou. — Quanto custa este vestido?
No mesmo instante a vendedora voltou a olhá-la como no começo, como se a pergunta a fizesse lembrar-se com quem tratava. Disse o preço, olhando-a nos olhos. Virgínia estremeceu. O vestido era muito mais caro do que ela imaginara. Na verdade, representava para as suas posses uma pequena fortuna. Além disso, para quê ela queria aquele vestido? Onde, quando o usaria? Voltando à atitude inicial, a vendedora tornou a sugerir:
— Você não quer experimentar outro mais barato?
— Não! — respondeu Virgínia energicamente. — Eu quero este!
Em seguida, agindo muito rápido, para não pensar, fechou a porta do reservado, tirou o vestido, tornou a vestir a sua roupa, abriu a porta e entregou o vestido à vendedora, juntamente com o seu cartão de crédito, dizendo:
— Pode embrulhar.
A moça obedeceu, agora toda sorrisos. Ao entregar-lhe o vestido, dentro da sacola com o logotipo da loja, sorriu ainda mais amável e disse:
— Obrigada à senhora. Volte sempre.
Virgínia deixou a loja com passos firmes, a cabeça erguida, segurando com firmeza a sacola com o seu vestido preto. Mas, logo adiante, quando já não podia ser vista pela vendedora, foi diminuindo os passos e abaixando o olhar. Uma fortuna. Uma fortuna. Como explicaria ao marido aquela compra inútil, como pagaria aquele valor? O suor descia por suas costas, empapava-lhe a roupa; a alça da sacola rasgava-lhe os dedos. O vestido preto. Que loucura. Que loucura.

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