A poesia brasileira do século 20 tem grandes nomes, já sabemos. A poesia brasileira do século 20 tem nomes que não alcançaram rótulos de grandes nomes, embora grandes.
Aqui, na Bahia, dei a minha contribuição ao resgatar um nome que é um grande nome da poesia baiana: Sosígenes Costa.
Aqui, na Bahia, dei a minha contribuição ao resgatar um nome que é um grande nome da poesia baiana: Sosígenes Costa.
Se entendida fosse, procuraria resgatar um outro nome: Abgar Renault.
Nascido em Barbacena, em 1901, Abgar Renault morreu em 1995 e escreveu uma poesia que, seguramente, não morreu, mas precisa ser resgatada de certo esquecimento. Independente, com substanciosa carga de vivência, a poesia do mineiro chegou a ser reconhecida, só que faltou algo mais, porque ser reconhecida em dado momento não é o mesmo que ganhar grandiosidade além do tempo.
Nascido em Barbacena, em 1901, Abgar Renault morreu em 1995 e escreveu uma poesia que, seguramente, não morreu, mas precisa ser resgatada de certo esquecimento. Independente, com substanciosa carga de vivência, a poesia do mineiro chegou a ser reconhecida, só que faltou algo mais, porque ser reconhecida em dado momento não é o mesmo que ganhar grandiosidade além do tempo.
BALADA DA IRREMEDIÁVEL TRISTEZA
----------------------Abgar Renault
Eu hoje estou inabitável...
Não sei por quê,
levantei com o pé esquerdo:
o meu primeiro cigarro amargou
como uma colherada de fel;
a tristeza de vários corações bem tristes
veio, sem quê, nem por quê,
encher meu coração vazio...vazio...
Eu hoje estou inabitável...
A vida está doendo...doendo...
A vida está toda atrapalhada...
Estou sozinho numa estrada
fazendo a pé um raid impossível.
Ah! se eu pudesse me embebedar
e cambalear...cambalear...
cair, e acordar desta tristeza
que ninguém, ninguém sabe...
Todo mundo vai rir destes meus versos,
mas jurarei por Deus, se for preciso:
eu hoje estou inabitável...
A outra face da lua in Obra Poética (Record, 1990), p. 80.
Ilustração: Monet, da série Nenúfares.
31 comentários:
Para coisas grandes apenas o aplauso. qualquer palavra aqui sairia menor do que esse poema.
Coincido con Edu O.
No hay palabras.
mil besos,Gerana*
Gostei muito. Simples, honesta, íntima.
Claude Monet com "O Jardim" e um belo poema.
Abraço.
Olá,
A poesia, a literatura, a música, o esporte, as ciências em geral, no dia a dia,... em toda parte há pessoas tão ou mais competentes que aquelas que são "iluminadas", têm os "refletores" sobre si. É o indelével poder de exclusão sobre a grande maioria para que alguns poucos possam fa$er $sucesso!
Saúde e felicidade.
JPMetz
Parabéns pela iniciativa. Há muito tempo que não ouvia ou lia nada dele. A poesia dele parece que se espalhou por aí. A inabitabilidade se espalhou e ganhou uma dimensão enorme. Felicidades e obrigado.
Gostei da poesia que escolheu, de um poeta que nunca tinha ouvido falar.
Há muitos bons poetas que caíram no esquecimento geral e, por isso, o seu gesto é de louvar.
Beijos.
realmente, uma grande balada de uma grande poeta,
abraço
Adoro essa poesia de Abgar Renault. Vejo-a atemporal, já que mesmo escrita há algum tempo (um tempo não tão distante), mantém traços tão próprios do agora. O "inabitável", algo característico das expressões e das sensações do 'eu' da contemporaneidade. Bela escolha! Abraço.
Gerana,
O verso "Eu hoje estou inabitável..." é demais.
Abraço,
JR.
Por analogia e, não apenas por simples comparação:
"Tome doutor, essa tesoura; e corte a minha singularíssima pessoa. Pouco me importa que a bicharia roa, toda a minha carne depois da minha morte.
Ah!... um urubu pousou em minha sorte". (Algusto dos Anjos)
Bela garimpada, Gerana.
Bjs
belo blog.
consistente, denso.
tem lastro.
parabéns!
Abgar! Nunca ouvi falar dele. E sou pobre por isso. Mas vc veio me habitar de Abgar. E não sou um bêbado. Belo poema dele!
ai... ai... que beleza de balada, gerana. definitivamente o Brasil não trata bem os seus poetas. este trabalho de resgate dos que ficaram por algum motivo ou de alguma forma esquecidos é essencial e necessário - bom saber que existem pessoas atentas e sensíveis a este fato, como você, janaína e alguns outros poucos e raros... beijos!
Meus comentários já estão ficando repetidos...rsrs...
Mas para variar seu espaço me possibilita conhecer outro poeta que não conhecia...Só posso lhe agradecer.
Em certo momento me lembrei de uma canção de Piazzolla
Linda colagem
abraço
eu tenho o cd lançado pela gravadora Luz da cidade com poemas do Sosígenes Costa. vc tem?
se não tem posso mandar para vc uma cópia
Poema antológico esse. Belo de doer.
É incrível até para mim, mas acho que nunca tinha lido nada de Abgar Renault. Valeu, Gerana.
Beijo pra você.
merce sem dúvida ser resgatado do desconhecimento
REnault e Monet, combinação perfeita. Tudo lindo, tudo expressivo.
Bela poesia Gerana, e Monet é lindo!
Gosto tanto de vir aqui!
bjs e bom fim de semana!
Gi
que belo poema!
não poderia rir de um verso que resume o incomodo da vida com uma frase tão magnífica quanto: “Eu hoje estou inabitável..”
puríssima conclusão lírica! junta alma e mente em um resumo da dor que é ser sensível até o ponto de poesia e ter de coexistir com o mundo cheio de imensos vazios sentimentais, como o mundo em que vivemos...
parabéns por mais um resgate importante, seu trabalho de preservação é valioso e eu estou aprendendo muito com você, querida gerana.
um beijo.
Lispector dizia que poesia não vende. Infelizmente é a verdade, não?
Tanta poesia não é pra qualquer um.
Beijos!
lindo,Gerana. quero saber mais d poeta...
Este poema é irmao-no espírito- daquele de Vallejo que decía " hoy sufro solamente".
Gosto de ese verso:
Ah, se eu pudesse (...)acordar desta tristeza.
Além da nuance pessoal, é quase um programa ou, melhor dito, o principio duma poética.
Como imaginas, nunca tinha lido nada do poeta. Obrigada pelo teu trabalho de arqueóloga das letras.
Excelente poema. vou averiguar se encontro algo mais dele,neste mundo digital.
Beijo amiga
Tem razão, Gerana. Abgar Renault é um poeta enorme, assim respeitado por seus pares. Hoje nem os poetas, esses leitores especiais, o leem. Perdemos muito.
serei um dia resgatada, lá no futuro, daqui há zilhões de anos luz, por uma Gerana cibernética?
brincadeirinha
Oh Gerana.... quando vc resgata essas pessoa, a vida canta desenfreada pelas alamedas do infinito.
Porque tá tudo vivo. Eu leio isso e sabe, foi escrito por mim, tantos dias da minha vida. Apenas ele colocou no papel....
isso é demais
Parabéns pela postagem, Gerana! Parabéns também pelo seu trabalho que resgata a poesia de Sosígenes Costa. Abraços.
Jefferson.
Sabe, Gerana, gostaria muito de ter escrito essas palavras do Abgar Renault, puxa, sinto isso tantas vezes, conflitos, uma sensação de 'inabitalibidade', lembro-me de um poema antigo meu que dizia: ... ser um habitante, e não habitar... Temos poetas fantásticos que não atingiram o reconhecimento além do tempo, como vc diz, Dante Milano é um deles. Mas eles estão aí, foram fieis a si próprios, compromissados com a verdadeira poesia.
Grande abraço.
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