Gerana Damulakis
O soneto “Essa que eu hei de amar…”, de Guilherme de Almeida (1890 – 1969), é um poema que, apesar de belo e melódico, me interessa mais pelo conteúdo. Transcendendo a leitura imediata, a voz lírica vai além do exemplo, ou seja, um sonhador que idealiza a mulher amada, mas idealizou tanto que ela passou por ele e ele não percebeu, preso que estava ao sonho, à ilusão. Levar o conteúdo do poema para a vastidão dos nossos desejos, não apenas os amorosos, mas desejos outros, desejos vários, pode mostrar, ou lembrar, a quantidade de vezes que as oportunidades são perdidas porque a ilusão cegou a visão da realidade.
ESSA QUE EU HEI DE AMAR...
ESSA QUE EU HEI DE AMAR...
-------------------Guilherme de Almeida
Essa que eu hei de amar perdidamente um dia,
será tão loura, e clara, e vagarosa, e bela,
que eu pensarei que é o sol que vem, pela janela,
trazer luz e calor a essa alma escura e fria.
E, quando ela passar, tudo o que eu não sentia
da vida há de acordar no coração, que vela…
E ela irá como o sol, e eu irei atrás dela
como sombra feliz… — Tudo isso eu me dizia,
quando alguém me chamou. Olhei: um vulto louro,
e claro, e vagaroso, e belo, na luz de ouro
do poente, me dizia adeus, como um sol triste…
E falou-me de longe: "Eu passei a teu lado,
mas ias tão perdido em teu sonho dourado,
meu pobre sonhador, que nem sequer me viste!"
Ilustração: Edward Hopper (1882-1967), Room in New York (1932).
24 comentários:
a idealização entorpece e cega, o soneto é exemplar.
abraço
Lindo poema!
Adoro suas "interpretações" e análises...
abraço
As vezes aquilo, ou aquele (a) que mais queremos está logo ali à nossa frente ou a nosso lado, mas estamos tao preocupados em esmiuçar detalhes, bobagens, que os perdemos. Olhar em volta funciona muito mais do que perder-se em sonhos utópicos.
Maravilhoso e oportuno o soneto, Gerana. É preciso que o sonho faça com a realidade um pacto; é preciso que o sonho deslize, faça borrões, crie imperfeições, que a perfeição é mesmo inalcanmcável.
Beijos,
Tânia
A ilusão é uma experiência real. Ela deve ser o alimento que se mistura ao barro da matura idade.
Abraço.
Inicialmente fiquei atraído pela imagem de Hopper e, depois, li os versos, constatando a veracidade de sua crítica. Eu, sinceramente, não sei muito comentar poesia, só sei se gosto ou não, se me tira os pés do chão ou não. E este texto me tirou. Voltarei sempre pra te ler.
Você conheceu ele pessoalmente?
Sempre gostei desse poema. Mas podemos ser diferentes: gostei apesar do conteúdo, da "mensagem", que para mim atrapalha a poesia. A musicalidade é bela, e as imagens, essenciais para a poesia, também.
Um grande abraço.
A diferença da frase de Goethe, aquí o que está(ba) perto vai-se lonje.
gostei muito de seu blog queria te seguir mas não encontrei o lugar...
de uma pasada no meu e me mostre como lhe seguir ameiseu blog.
Dalton Rocha
um abraço
Escrevo apenas para deixar registrado a beleza reunida neste espaço. As suas escolhas, as palavras eventuais, as imagens e os poetas sempre revelam um sonho, uma nesga de céu, um vento alíseo, um rumor marinho. Obrigado e meus parabéns. Felicidades.
Olá, Gerana,
No prefácio de um livro de Nietsche(talvez o Zarathustra), ele diz que não percebemos o óbvio porque ele está tão diante do nosso nariz que tropeçamos nele.
Abraço,
JR.
Interessante, apesar de não ter tido este privilégio, ele é uma das figuras que mais admiro...Na minha humilde opinião de alguém que só têm seus vinte e poucos anos, considero ele um dos últimos intelectuais...
Personagem tão raro hoje.
Não precisa publicar este "comentário" e desculpa se incomodei!
abraço
O soneto é lindo - GA é para mim um dos melhores poetas de sua geração.
E a ilustração é o que há de bom.
Beijo.
Querida Gerana, não sabia da morte da Maria. Eu a conheci quando trabalhava na Record, fiz a produção do lançamento de um dos livros dela. Depois, voltamos a falar através dos blogs. Eu sabia que ela estava doente e me admirava com o rosto sorridente nas fotos e o alto astral nos textos e fotos no blog. Fico triste com a notícia, mas imagino que a Maria tenha tido uma vida feliz, pela energia que ela emanava. Espero que a passagem tenha sido em paz e que ela tenha Paz lá no outro lado. Obrigada por me avisar.
Grande beijo, boa semana para nós, que ficamos
OI, Gerana. Fiz uma homenagem a ela também... Olha lá no blog.
O comentário anterior, eu fiz sem querer através da conta da minha filha no Google. POr isso, não deve aparecer o meu nome.
Um beijo,
Valéria
hermoso poema, perfecta tu crítica.
y excelente el acompañamiento de Hopper.
mil besos,Gerana*
Lindo soneto. Quando nos perdemos em nós mesmos...
Belo!
Um beijo, Gerana!
Jefferson.
Como dizem por aí: não olhe para a luz :)
Lindo poema. Melancólico e lindo.
Um belo soneto, clássico, com um conteúdo irrefutável, verdadeiro. Os poetas sabem das coisas da psique. Veja esta citação de Freud:
"Os poetas e os filósofos antes de mim descobriram o inconsciente: o que eu descobri foi o método científico pelo qual o insconsciente pode ser estudado"
Grande abraço, minha amiga.
compor sonetos assim não énada para qualquer um e esse poeta oube faze-lo
O divagar, por muitas vezes nos faz imperceptível aquilo que justamente está à nossa frente.
Muita das vezes... um mal necessário!
Um abraço, Gerana!
É, o soneto pode ter esse viés de parábola da qual você extraiu perfeitamente o sentido.
E não é justamente o meu drama? Estou procurando uma espécie de budismo cromático, de forma que sejam os desejos poucos, mas essenciais, tal como as cores primárias com que se criam todos os matizes. É possível isso? Qual seria essa tríade?
Abraço, neste comentário atrasado.
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