Gerana Damulakis
Virginia Woolf escreve em Um teto todo seu (Nova Fronteira, 1985) sobre as reações diante de uma prosa, ou de um poema, e exemplifica com um momento de êxtase, ou seja, com um momento de reconhecimento. Lemos e dizemos: "Mas isso é o que sempre senti e soube e desejei!", uma exclamação que condiz com o texto escrito ao modo de uma confissão.
Nem eu sei o que quero com tal lembrança. Encontrar linhas que me encontrem. Vontade de colher trigo, de ler poesia? Vontade de "rodar a baiana"?
Vou correr o risco
de perturbar o universo?
Num só minuto há tempo
Para decisões e revisões, a revogar noutro minuto.
Pois já as conheço todas bem, todas -
Sei as noites, as tardes, as manhãs,
Às colheres de café andei medindo a minha vida;
Sei que se esvaem as vozes em breve agonia
Abafadas na música de um quarto mais além.
Como havia eu de ousar, assim?
Trecho do longo poema de T. S. Eliot, "A Canção de Amor de J. Alfred Prufrock", tradução de João Almeida Flor para a edição de Assírio e Alvim, 1985.
Ilustração: Colhendo Trigo, de Papas Stéphanos.
17 comentários:
Eliot foi um gênio!
Ah, mas aquele momento de que fala Virgínia Woolf é único, e sempre novo.
Um beijo, de quem tem andado muito ocupada, mas está com saudade daqui.
Notável e Simpática Amiga:
"...Virginia Woolf escreve em Um teto todo seu (Nova Fronteira, 1985) sobre as reacções diante de uma prosa, ou de um poema, e exemplifica com um momento de êxtase, ou seja, com um momento de reconhecimento. Lemos e dizemos: "Mas isso é o que sempre senti e soube e desejei!", uma exclamação que condiz com o texto escrito ao modo de uma confissão.
Nem eu sei o que quero com tal lembrança. Encontrar linhas que me encontrem. Vontade de colher trigo, de ler poesia? Vontade de "rodar a baiana"?
Vou correr o risco
de perturbar o universo?..."
Excelente motivo para escrever um livro perfeito.
Porque não o faz?
Virginia Woolf sempre encantou.
Parabéns.
Beijinhos amigos de imenso respeito e estima.
Sempre a admirá-la.
pena
Excelente.
Bem-Haja, perfeita e lindíssima amiga.
MUITO OBRIGADO!
E mais Eliot:
"O desejo em si é movimento"
(Burnt Norton)
"O hoje sangra, o amanhã lancina"
(Paisagens)
"A tremenda ousadia de um
/momento de entrega
Que um século de prudência jamsis
/revogará
Por isso, e por isso apenas,
/existimos"
(A terra desolada)
Abraço do SIDNEY WANDERLEY
Conheço o poema com a tradução de Ivan Junqueira, 1981, da Nova Fronteira. É interessante perceber as nuanças de cada tradutor. Como disse Elliot, "abril é o mais cruel dos meses". Abraço.
EU pensei e desejei este texto. e ainda nos trás um belo poema pra começar o dia!
brigadão pelas visitas constantes.
Pois é, Gerana, há momentos assim em que algo a nos perturbar, incita em nós o desejo de resvalar e ir a cata da mudança. Perturbar o universo é perfeito.
Novamente obrigada.
Me fez um bem enorme ler isto hoje.
abraços
Cara Gerana,
Confesso, até meio sem jeito, que tenho dificuldade com Eliot, e todas as vezes que tentei lê-lo, acabo abandonando.
Gosto de algumas metáforas e imagens, reconheço que algumas passagens são brilhantes (como essa que você postou), mas não consigo sentir o todo do poema.
Abraço,
JR.
Lembrou-me dos versos de Quintana:
"Eu sonho com um poema
Cujas palavras sumarentas escorram
Como a polpa de um fruto maduro em tua boca,
Um poema que te mate de amor
Antes mesmo que tu saibas o misterioso sentido:
Basta provares o seu gosto..."
Lindo, muito lindo.
Uma das melhores críticas literárias que um autor pode ouvir é "Mas isso é o que sempre senti e soube e desejei!".
Quando isso acontece, o ego sobe em flecha...
Querida amiga, bom resto de semana.
Beijos.
Concordo inteiramente com Janaína sobre VW. E esse poema é uma maravilha que me faz lembrar meu querido Jorge Wanderley e suas aulas encantadas.
E como é bom quando nos deparamos com textos assim, Gerana - de puro êxtase - A palavra que perturba é a que vale a pena. beijo.
Virginia Woolf e Eliot: uma conjugação perfeita.
Beijo querida amiga
No gesto mais simples vamos colhendo trigo, colhendo poesia, colhendo...
Linda postagem, Gerana!
um abraço.
Jefferson
"Às colheres de café andei medindo a minha vida;"
quanta leveza é tristeza nesta vida tão pequenina e com sabores amargos
Quando defender meu trambolho, já tenho muita indicação de leitura. Muita coisa do sua leitura crítica vai pra cabeceira da cama. Obrigado, sempre, pela generosidade.
Vi este texto em um blog, onde o autor, Javier, comentava sobre a obra do pintor Aitchinson:
"Na pintura a expressão poética tem sua própia rima e sua própia maneira de seduzir. E em algumas ocasiões, quando é um fiel reflexo da natureza do pintor, chega a tocar o centro de gravidade da sensibilidade coletiva..."
Passemos a idéia para a poesia, para a arte em geral. O artista expressa a alma coletiva.
Belo poema do Eliot, bela postagem,minha amiga.
Grande abraço.
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