Gerana Damulakis
Desde que li As Pequenas Memórias (Companhia das Letras, 2006), de José Saramago, que olho a beleza de outra maneira. Isso porque gravei de forma irremediável as palavras da avó do grande escritor português. Ela admirou a beleza da noite e disse uma frase que simplesmente ficou cravada: “O mundo é tão bonito e eu tenho tanta pena de morrer”.
Passo olhando o mar, o azul pleno de verão, essa minha cidade exuberante de cores, e penso que realmente é uma pena ter que ir embora. Que pelo menos seja com a idade e a lucidez (sem lucidez, não adianta) da avó de Saramago. É pedir muito, mas assim somos todos nós: cheios de esperanças. Sei que é um tanto mórbido admirar a beleza da vida e pensar imediatamente no fim. Sempre fui desse jeito, só que a bela e verdadeira frase não foi dita por mim. Não tem importância, admiro quem soube dizê-la.
Passo olhando o mar, o azul pleno de verão, essa minha cidade exuberante de cores, e penso que realmente é uma pena ter que ir embora. Que pelo menos seja com a idade e a lucidez (sem lucidez, não adianta) da avó de Saramago. É pedir muito, mas assim somos todos nós: cheios de esperanças. Sei que é um tanto mórbido admirar a beleza da vida e pensar imediatamente no fim. Sempre fui desse jeito, só que a bela e verdadeira frase não foi dita por mim. Não tem importância, admiro quem soube dizê-la.
Tu estavas, avó, sentada na soleira da tua porta, aberta para a noite estrelada e imensa, para o céu de que nada sabias e por onde nunca viajarias, para o silêncio dos campos e das árvores assombradas, e disseste, com a serenidade dos teus noventa anos e o fogo de uma adolescência nunca perdida: "O mundo é tão bonito e eu tenho tanta pena de morrer." Assim mesmo. Eu estava lá.
José Saramago
Imagem de Salvador:
http://img253.imageshack.us/i/salvadordu7.jpg/
24 comentários:
A gente pode até ir, mas a criança nunca morre.
GERANA:
Esse trecho maravilhoso do Saramago, e da avó de Saramago,
fez-me lembrar de dois versos da "Serenata do adeus", do nosso Vinicius de Moraes:
"Ai vontade de ficar,
Mas tendo de ir embora."
SIDNEY WANDERLEY
é, o mundo é tão belo, e sempre nos esquecemos de apreciar os detalhes que esconde nas pétalas de uma flor, ou no voo livre de um pássaro. Daquela brisa que nos passa pelo rosto e nem notamos que nos acaricia, ou mesmo do silêncio que nos trás tantas vozes que habitam em nós.
E quem diria isso melhor que Saramago? Temos tanto a admirar na criação, no seu mistério, no entanto, nos preocupamos com apurar pequenezas, detalhes negativos de pessoas e de coisas, em vez de seguir a sabedoria de uma mulher simplória que levantava seus olhos nonagenários e sábios para a grandiosidade do que tinha para apreciar de graça.
Às vezes dói essa condição de passagem, a transitoriedade, mas algo de beleza deve estar aí. Abraço.
Não te avexes, cara Gerana. Não dobrarei tua incredulidade com simples palavras, mas confia antes em tua sensibilidade. Ela te mostrará, um dia, que tu continuarás sendo eternamente Gerana, com todas as suas qualidades intactas (os poucos defeitos também, não vou mentir), e as belezas serão mais belas ainda.
Bj
Obrigada pelo comentário no Diletantes, que tenho deixado esquecido há já algum tempo.
Contudo tenho seguido seus comentários na Ana e na Janaína.
Sou ferverosa admiradora de Saramago e agora também de sua avó. Sábias palavras.
Beijinhos
Isabel
Li quase todos os livros do saramago, mas este não.
A minha inclinação para o ler tanto, também tem a ver com ideias e pensamentos que ele escreve, tal como o fez no exemplo que deu.
Acerca dessa frase, podem-se escrever livros, poemas, tudo e mais alguma coisa, tal a profundidade de uma observação como essa.
Eu costumo dizer que viajar é encher os olhos e a alma do que se vê. E pode-se viajar mesmo sem sair do mesmo sítio...
Querida amiga, bom fim de semana.
Um beijo.
Oi, Gerana, minha avó Heloísa, já velhinha, também dizia coisa semelhante, algo como, olhando a bela vista da janela: "Tenho pena de deixar tanta beleza."
Você ainda apreciará nossa linda Salvador por muuuuuitos anos. Beijo.
Oi, querida,
um beijo grande e saudade.
Ai, Gerana, é "esse fogo de uma adolescência nunca perdida" que precisa queimar até o fim. E numa cidade como Salvador, como o Rio, fica até mais fácil manter acesa a adolescência. Amém!
PS: eu gostaria de ler seu livro de poesia e o Sosígenes. Te agradeço se puder me escrever para
dedaamorimo@gmail.com
Adorei Salvador: espero volver, algum día.
Adorei Salvador: espero volver, algum día.
"O mundo é tão bonito e eu tenho tanta pena de morrer”. É uma grande verdade. É por isso também que me dói morrer.
bj.
Essa frase é linda. Mas não devemos pensar nisso, né? Já que estamos aqui agora, vivos, vamos apreciar a beleza. Depois é depois.
Beijos, querida Gerana
Gerana, eu ameeeeeeeeeeei a sua Bahia! Calculei até quantos dias eu poderia viver aí com as minhas economias :) Os meus bípedes estão até um pouco assustados com esse repentino amor, e o pequeno ainda chora porque está de volta a esse sul sem tanta cor e sem tanto amor.
Gerana,
Causa-me embevecimento o seu explicito amor pela leitura, porque ter o olhar modificado por algo que leu não é para todos. É preciso muita sensibilidade.
Beijos
e eu penso tanto na vida e na nossa amizade crescente a cada momento. A vida me escolheu como amigo e seguimos juntos nessa estrada.
Que bonito Gerana!
Tem coisas que lemos e nunca mais esquecemos, passa a fazer parte da nossa vida, esse é um ótimo exemplo.O Saramago é um grande senhor.
Quanto a mim, quero viver tudo tintim por tintim :)!
bjs
Gi
Salvador deve ser linda, um dia vou conhecer essa terra maravilhosa :)
bj
Gi
Oh, Gerana, teu texto é tão comovente que me deu uma vontade de abandonar-me rumo ao desconhecido. Tanta coisa bonita para ser vista, e o tempo tão contra nós. Não é medo de morrer; é pena mesmo. Lindo.
Um belíssimo texto,sem dúvida. E que poética essa avó de Saramago!
Ah, que coisa bonita de ser dita... e como você a traduziu bem. Eu acho que já tive esse pensamento, quando a beleza é tanta, dá mesmo pena de deixar tudo isso.
E Salvador dá mesmo esse sabor....que terra abençoada!
Maravilha, Gerana, teu texto, inspirado pela visão da cidade, e nas belas palavras da avó. Sou também assim, as palavras tuas, dela, se encaixam perfeitamente no que sinto. Eu completaria ' por que criar um mundo tão belo, para destruí-lo?'. Porém, quem pode entender os desígnios ocultos, as chaves da criação?
Grande abraço, maravilha teu espaço.
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