Manuel Anastácio é um poeta que me desperta aquela vontade de ser madrinha literária. Admiro muito sua poesia forte, com um ritmo que vai fazendo nossos corações acompanharem a leitura. Às vezes a visão de vida está nos seus poemas de uma maneira extremamente realista, por demais sabedora das mazelas que os movimentos bruscos nos trazem, mas não totalmente isenta de um toque de esperança.
É uma poesia que me encanta, seja pela linguagem e pelo ritmo já supracitado, seja pelo que me diz, assim como quem segreda verdades.
O poema "Flores de Pedra" saiu na antologia Os Dias do Amor (Ministério dos Livros), lançada no começo do ano em Portugal. Tenho o privilégio de colocar o poema na blogosfera, numa manobra quase ao contrário, já que estamos assistindo os poemas nascerem nos blogs e irem para os livros.
Manuel assina o blog Da Condição Humana, presente nos meus favoritos:
FLORES DE PEDRA
Manuel Anastácio.
Ser estranho à vida, vento, julgaste que era pedra
Eu, vento, uma pedra
E jogaste-me como pedra
Eu, vento,
Ao fundo e estranho poço definido nos bordos dos teus abraços,
De pedra eles, de vento eu
Tão estranhos eles, meus, à vida, quanto a tua minha pedra
Onde o vento se aninhou em ventre
E sonha ser pedra
Eu, vento, uma pedra
Afeiçoada à tua minha perda angular
Com que defini, eu vento, o que restava à vida
E expressei-o, a ela estranho,
Apenas e através de grossos traços
riscos proscritos pontos e espaços
Similares nos seus cantos afeiçoados
Aos silhares com que se aparelham peitos e pulsações.
Aos silhares onde o vento se julga pedra.
Onde eu, vento, quero ser pedra.
Eu, vento, uma pedra.
Compreendidas entre os eixos
Das pedras perpendiculares à vida,
Assim as nossas perdas tumulares
Se erguerão, de vento em pedra,
Estranhas à vida,
Em recíproca e lapidar ignorância
Apenas porque a última instância do eco lhes será negada.
Mas entre a nossa vida
E o nosso nada
Nada mais há, querida, que um beijo de mármore
Uma pedra
Uma perda
Uma ternura móvel angular cristalizada.
É por isso que somos pedra
Nós vento, uma pedra
Somos perda
E seremos, como pedras, a vida no teu corpo reencontrada.
10 comentários:
Obrigada pelo belo poema (que ritmo, especialmente na primeira estrofe) e por me apresentar a este poeta, Gerana. Irei conhecer o blog dele.
Dá vontade de dizer isto daí acima, obrigado pelo poema, já que vale como um presente.
"Entre a nossa vida e o nosso nada, nada mais há que um beijo de mármore" O que dirá com mais poesia e maior definição sobre o fim? Quando o que resta é um beijo frio e petrificado, cumpre aceitar-se o estabelecimento do nada entre pedras e perdas.
Nunca vou esquecer este trecho do poema.Grande Manuel Anastácio!
Ai caraca! Tanta coisa pode ser dita sobre esse poema, tantas leituras possíveis.Muito bom mesmo. Evohé!
Disse tudo e com poesia, com a mais completa poesia.
Que construção! Feita de vento e pedra; ritmo e sonoridade; sentimento; poesia.
Grande abraço, Manuel.
Gera, basta esse poema. Manuel Anastácio, puxa vida, sabe a liberdade do verso. Que ritmo! Mas não me sopre assim esse vento lírico, Gera: eu, pedra, preciso urgente de chão. (Oh, Gláucia, aqui, eu que pouco me manifesto, você que tanto colabora: não fique com ciúme. Tanto nos amamos, somos vento e pedra, ambos nos tocando em risco e carícia.)
Luís: Sei que sua palavra só chega quando a emoção impõe.Nada de ciume nisso, eu mesma estou na primeira fila das homenagens a Anastácio. Pois é,vento e pedra somos também,
(na carona do poeta), transcendemos à própria sugestão do lirismo.
O trecho final do seu comentário vale o início de um poema, estou esperando.
Os poetas que você nos presenteia são maravilhosos. Que poema! Fico completamente muda diante de algo grandioso assim.
Janaina: é para mim uma honra ouvir tal sinal de aprovação de alguém que veio da mesma árvore de um dos maiores escritores da História Universal.
Pereira: um presente são as suas sempre calorosas palavras.
Gláucia: já sabe que a tenho em lugar especial na minha alma.
Gustavo, Anna, Flamarion, Luis e aeronauta: guardarei as vossas palavras como justificação para persistir na alvenaria da palavra, mesmo quando o vento que vem do alto ou do íntimo (é a mesma coisa), parecer apenas aflorar o sentido das coisas. Uma palavra amiga (mesmo que crítica, não falo só de louvores) é sempre alimento e inspiração para a alma. Obrigado. Muito, mesmo.
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