terça-feira, 11 de agosto de 2009

ESTE ERA O CARA

Gerana Damulakis

Este, sim, era o cara! O conto moderno tem três mestres, Guy de Maupassant, A. P. Tchekhov (grafado como está nas traduções do meu querido amigo Boris Schnaiderman, o realmente grande tradutor) e Katherine Mansfield.

Um levou ao outro que levou ao outro, como uma evolução. O próprio Tchekhov reconheceu que Maupassant levou o conto a tal ponto quanto às exigências que seria impossível escrever à maneira dele, daí partiu para a concisão, para a eliminação de tudo o que não fosse indispensável e, grande ousadia!, para o corte do princípio e do fim de uma história.

Grande exemplo de tudo isso é o conto "Angústia". Um cocheiro perde seu filho. Vendo-se obrigado a trabalhar sem descanso, atendendo a pessoas completamente insensíveis ao seu luto e sem ninguém com quem possa desabafar, pois, inclusive seu colega, se afasta enfadado, o homem desafoga com seu cavalo, enquanto este está remoendo o feno, obviamente sem entender sua dor.

R. Magalhães Júnior aponta para a simplicidade do texto. Texto monótono e, no entanto, repleto de emoção! Escreve, então, em A arte do conto: "Um imenso conteúdo de emoção se encerra nos períodos descosidos, na enumeração cinzenta de mesquinhos episódios, sem maior significação aparente, nesse torturante repisar do tema sombrio".

Creio que cada conto de Tchekhov traz duas histórias. Basta sair em busca, ler uma buscando a outra. É aquela coisa: a história atrás da história, que em "Angústia" resulta na história do egoísmo, da insensibilidade dos homens para com a dor alheia. A solidão é o personagem da história atrás da história. A solidão gera o outro personagem: a tamanha angústia da alma.

Este era o cara. Este é o cara!

6 comentários:

Janaina Amado disse...

Grande trio, Gerana! E as peças de Tchekhov, hein? Que grande autor de teatro ele também foi!

gláucia lemos disse...

Tem razão. Guy de Maupasant me foi apresentado ainda na adolescência ao mesmo tempo de Dostoiévski, e era "o" meu contista. Mais tarde Anton Tchékhov de quem, por coinciência, estou com A Dama do Cachorrinho na fila para uma próxima leitura. Sendo uma coletânea, nele encontrarei certamente algum que já conheça, mas nunca é demais. Estes são "os caras".

aeronauta disse...

Esse conto a que você se refere ("Angústia") foi o primeiro de Tchekhov que me levou a muitos outros, de sua autoria. Dos seus discípulos, gosto demais de Katherine.

P.S.: entendo sua dor, relatada lá no aeronauta; dor trágica, sem remédio, eu sei.

aeronauta disse...

Esqueci de aspear "discípulos"...

Flamarion Silva disse...

"Angústia" é um conto inesquecível, tocante. A técnica de ocultar uma outra história, a teoria do iceberg de Hemingway, tão divulgada por Ricardo Piglia, faz o leitor sentir algo que não é dito diretamente com palavras. É uma história ocultando outra, esta que deve ser descoberta pelo leitor.
Discutiu-se antes a dificuldade de se escolher nomes de personagens, isto não me parece difícil. Já Gláucia não acha fácil os títulos. Concordo. Mas o que me parece difícil mesmo é terminar um conto. Saber onde encerrar um conto.

Flamarion Silva disse...

"Angústia" é um conto inesquecível, tocante. A técnica de ocultar uma outra história, a teoria do iceberg de Hemingway, tão divulgada por Ricardo Piglia, faz o leitor sentir algo que não é dito diretamente com palavras. É uma história ocultando outra, esta que deve ser descoberta pelo leitor.
Discutiu-se antes a dificuldade de se escolher nomes de personagens, isto não me parece difícil. Já Gláucia não acha fácil os títulos. Concordo. Mas o que me parece difícil mesmo é terminar um conto. Saber onde encerrar um conto.