Surpreende que o Prêmio Nobel de Literatura 2007, anunciado no último dia 11, tenha saído para Doris Lessing, não pela falta de valor de sua obra, mas porque, talvez, seu nome e o prêmio combinassem mais se o ano fosse qualquer um da década de 90, quando certos títulos foram muito festejados.
Na autobiografia em dois volumes, Debaixo de minha pele e Andando na sombra, ambos editados aqui pela Companhia das Letras, respectivamente em 1997 e 1998, Lessing deixa claro que gostam de classificá-la como “romancista das barreiras raciais, depois como escritora comunista, depois como profeta das feministas, depois como uma mística da ciência-ficção”, mas não é nada disso, ela confessa que só está escrevendo sobre o que conhece, sobre o que tem vivido. O interessante é que Doris Lessing acha que a interpretação das feministas sobre sua obra é a mais errada, pois a colocaram como ícone literário do feminismo, quando para ela, “fora as tragédias da história, o fato capital do século 20 foi o ingresso em cena da mulher” e reconhece que, acima de tudo, isto se deveu a razões tecnológicas (a pílula, principalmente) como fator determinante para a mudança da condição feminina, e não o falatório ou a pressão de um grupo. E mais: em entrevista para a revista Bravo!, em janeiro de 1998, cedida a Hugo Estenssoro, Doris diz que as feministas erraram ao fazer da vida uma questão ideológica, como ocorreu com o comunismo.
Considerada a maior romancista inglesa ao lado de Virgínia Woolf, o ensaísta Estenssoro enfatiza o quanto Doris é totalmente diferente, e sua literatura também: “Se Woolf foi produto da alta cultura da sua época, Doris, filha da classe média, com educação superficial, deixou a escola aos 14 anos, construiu sua obra lenta e dificilmente no tumulto da vida e da história”. No seu estilo sente-se o trabalho que resulta na densidade, tudo é fruto de uma indignação carregada de brio, em franca parceria com a realidade, tentando compreendê-la e contestando-a quando necessário: “Meus livros são uma tentativa de ordem”, é uma frase da escritora.
Editados pela Record/ Altaya, vale conferir O verão antes da queda e Roteiro para um passeio no Inferno. A sugestão é O Sonho mais Doce (Companhia das letras, 2005), verdadeiro passeio pelo século 20 através de três gerações, sem deixar que escapem as questões cruciais, os marcadores de uma época, desde o engodo da esquerda, o feminismo, o desarmamento nuclear, até a aids e a miséria, incluindo as alternativas, quase invariavelmente equivocadas. O choque maior fica por conta da disparidade entre a Inglaterra com seu glamour e a África com sua carência total.
Lessing fará 88 anos no dia 22 de outubro. Nasceu na Pérsia, hoje Irã, filha de capitão do Exército Britânico. Viveu na Rodésia do Sul, hoje Zimbábue, anos que marcaram sua juventude. Em 1949 seguiu para Londres, deixando a família e a África. Era hora de começar a construção da obra, agora devidamente laureada.
Gerana Damulakis
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