domingo, 9 de setembro de 2007

BELEZA E TRISTEZA


A literatura japonesa do século XX pode muito bem ser definida, ou condensada — mas isso já é perigoso — usando-se o título de um dos seus livros mais emblemáticos: Beleza e tristeza, de Yasunari Kawabata. Escritor de ficção, ensaísta e crítico literário, além de mestre de uma geração inteira de prosadores do quilate de Yukio Mishima ( que cometeu suicídio em 1970, pelo método seppuku), Kawabata ganhou o Nobel de Literatura em 1968, dentre outros prêmios, como a medalha Goethe. Beleza e tristeza (Globo, 2004) é o último livro de Kawabata (1899-1972) e, de certa forma, funciona como um aliciador para que se vá buscar a leitura de outros títulos como O país das neves, A casa das belas adormecidas, do qual Gabriel García Márquez confessa ter uma dívida quanto à criação de seu Memória de minhas putas tristes (Record, 2005), ou ainda, Mil Tsurus e Kyoto, todos os quatro editados pela Estação Liberdade.
Sempre deixando bastante presente a tradição japonesa através da música, da dança, da arte do chá e das festas, Kawabata, em Beleza e tristeza, monta uma história apaixonante em torno de um escritor que retorna a Kyoto para ouvir os sinos dos templos budistas no final do ano, mas seu intuito verdadeiro é reencontrar um amor de juventude. Sua amada, uma pintora famosa, vive com uma aluna, a qual formará o terceiro vértice do triângulo. A sensualidade e a delicadeza encerram as páginas de Kawabata com a mesma pungente constatação da fragilidade da vida, plasmada na fugacidade e transitoriedade de tudo. Assim, a solidão, o amor e a morte são questionados, como também o sentido da arte.
Ao lado de Yasunari Kawabata estão escritores no mesmo patamar de qualidade: o já citado Mishima (1925-1970), Jun’ichiro Tanizaki (1886-1965), do espetacular As irmãs Makioka (Estação Liberdade, 2005), Haruki Murakami, nascido em 1949, produzindo romances tão bem estruturados como Minha querida Sputnik (Objetiva, 2003), Akira Yoshimura, de Naufrágios ( Editora Best Seller, 2003), e ainda Kenzaburo Oe que, em 1994, repete o Nobel para o Japão. Uma vez adentrado tal universo fica difícil deixar de lado tantas leituras sedutoras: é um mundo fascinante, uma narrativa com um toque diferente, além de sedutor, envolvente e impressionante. Como este passeio é impressionista, resta dizer que a sensação que a literatura japonesa cria no leitor é resultado das reflexões aprofundadas, que partem da intuição e rumam, sem ilusões, para o encontro com a fatalidade: se for a sorte ou se for a adversidade, não há medo; é resultado, ainda, do ritmo elegante, estético mesmo.
Todos os títulos têm tradução direta do japonês, o que prova que se acabou o tempo do amadorismo na área da tradução, acabou-se o tempo em que Rachel de Queiroz traduzia o russo Dostoiévski do francês: o tempo das traduções levianas. Está aberta mais uma janela no casarão da literatura, com o nosso acesso ao melhor da literatura japonesa.

Gerana Damulakis

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