domingo, 16 de maio de 2010

PROPRIEDADE



Gerana Damulakis

O poeta Manuel Anastácio dialoga com o texto de Fernando Pessoa da minha postagem anterior. A poesia permite e, inclusive, ganha com os diálogos entre os poetas em torno das grandes questões. Sabedor e mestre dos versos, Manuel confere ao seu texto poético um lirismo a mais na surpresa do verso final, sempre encantando.

PROPRIEDADE

---------------Manuel Anastácio


Não possuo o teu corpo.

Mesmo quando o possuo,

Só quando por ele sou possuído

É que dou como indeferido o resultado da reflexão.

Não possuo o teu corpo

Nem a minha alma tem garras com que o agarre.

Não possuo o que como, que em mim se esvai,

Não possuo a minha alma, que em meu corpo se distrai.

Não possuo. Nem o que sei, em verdade, é meu

Se em verdade algo me não é dado que já não seja meu


Porque não sei se é, apenas teu, e a mim, vagamente,

Emprestado.

Nada em mim vejo aclarado e transparente.

Vagamente, nada em mim está, assim, em mim presente,

Nem sólido monumento, nem pensamento, nem palavra
nem fonema,

Nem dúvida nem certeza. Nem prosa nem poema.

Sonho? Provavelmente, não. Até porque a Ilusão

É arte que se vende cara.

Eu não sou eu.
E só não nego a tua presença,
Que não possuo,
Porque me entreguei em verdade e disse:
Sou teu.


Ilustração: Estudo cênico de Alamada Negreiros.

17 comentários:

Lisarda disse...

Excelente diálogo!Pessoa finaliza seu poema com uma pergunta, como invitando a um poema futuro:éste.

Adriana Riess Karnal disse...

GErana,
Tuas escolhas são impecáveis.

Sueli Maia (Mai) disse...

Entrega, enlevo, Belíssimo!

Bípede Falante disse...

Que lindo final!
Mesmo que não seja possível, é possível a coragem da entrega do que não se tem.

Anônimo disse...

Gerana e seus achados. Filosofia e amor na poesia.

Unknown disse...

Acho que ainda cabe usar a expressão: ao mestre com carinho. abraço

Juan Moravagine Carneiro disse...

Manuel Anastácio foi uma grata surpresa para mim...e conheci o mesmo através de seu espaço...logo meus agradecimentos...

Gosto muito do pensamento do palestino Edward Said que diz que a cultura nada mais é que vasos comunicantes, nunca algo puro ou isolado, acredito que isso caminhe no sentido do seu post...

abraço

Ana Tapadas disse...

Um poeta dialogando com outro no âmago da criatividade...
Uma Maravilha!
Beijo amiga

M. disse...

Gosto quando você nos mostra esses diálogos. Bjs.

Jefferson Bessa disse...

Que bonito poema, Gerana!
Os últimos versos respondem brilhantemente...
Beijos!
Jefferson

Jefferson Bessa disse...

Que bonito poema, Gerana!
Os últimos versos respondem brilhantemente...
Beijos!
Jefferson

José Carlos Brandão disse...

Obrigado, Gerana, por me apresentar o Anastácio. Foi um prazer conhecê-lo, era uma necessidade conhecê-lo. Esses poetas inquietantes não podem passar despercebidos. Alimentam-nos.
Abraços.

Susy Freitas disse...

eu adoro essa capacidade que alguns escritores tem de simplesmente nos arrebatar num trechinho de verso, de dar uma graça tremenda a um conjunto de palavras que não são necessariamente rebuscadas ou complicadas. pra mim esse último verso do poema é exatamente assim, como uma risadinha.

Unknown disse...

Ave Cezar...

Nossa, isso é demais.
Isso é amor
A única forma de ser, estar e pentencer.

gláucia lemos disse...

Que me perdoe o grande Fernando Pessoa, mas o nosso Manuel Anastácio na sua réplica deu um banho. Principalmente quando ele diz que não possui a amada e finaliza se confessando possuído por ela. Aquele "sou teu" é o que toda mulher deseja escutar em um contexto semelhante. Enfim, amar é o grande propósito do ser humano, é ou não é?

gláucia lemos disse...

Fiquei tão entusiasmada pelo poema de Manuel Anastácio que até me esqueci de comentar a reprodução que ilustra a página. É impressionante, acima de qualquer outra coisa, o ritmo desse trabalho. A concepção do desenho das pernas do casal compõe um perfeito equilíbrio rítmico. Inevitável não senti-lo. Não reparei o nome do autor, o que foi um pecado.

Fernando Campanella disse...

Bela reflexão à Pessoa, o final é maravilhoso, bem no estilo do melhor do lirismo Português. Grande abraço, Gerana.