domingo, 28 de setembro de 2008

BICHOS DE CONCHAS



Gerana Damulakis





Uma tarde e um começo de noite foram passados prazerosamente na leitura do romance Bichos de conchas (São Paulo: Scortecci, 2008), de Gláucia Lemos. Minha filha entrava no quarto e dizia: "Abaixa o livro um pouquinho, preciso falar uma coisa... ah, já sei, não pode... ". E eu não poderia fazer outra coisa, só poderia ir até o fim, até a última página do romance vencedor do II Prêmio de Literatura UBE/ Scortecci 2007.
Vamos a ele: um homem faz peças com conchas, usando lixa e cola. Uma mulher dá nomes de bichos para as peças. Após decidir com qual bicho cada peça se assemelha, ela até inventa alguns nomes, ela batiza os bichos de conchas. Ele cria, ela pergunta: "Que bicho é este". Ele responde com uma pergunta: "Com que parece?". Dado o nome, ele diz: "Então é". Porque as coisas são o que nos parece.
Este homem acolhe esta mulher quando ela sente medo do barulho do vento. No mais, ele é silêncio. O silêncio que faz esta mulher buscar o barulho de gente e querer voar, virar gaivota. Ela quer justamente o que a atemoriza: "viajar pelo vento". E ela parte. Não se preocupem, não sou eu quem vai contar a história. Ela está contada em capítulos curtos e velozes, que não se perdem em digressões, pois há urgência para que as surpresas ocorram. A narrativa é ágil e bem urdida, uma vez aberto o livro, só será fechado na página118.
O que se encontra na história que acaba mexendo com o inconsciente coletivo? Creio que seja a inquietação diante do tempo, este que não conhece freio, só anda e anda e vai passando: ela é a mola mestra do enredo, porque é ela, a ansiedade, a busca pelo desconhecido como uma promessa de algo a mais, que embaça o real valor do que se tem e enfeita com cores brilhantes o que se precisa alcançar. Se é preciso partir, que se parta. Se é certo voltar, já não há como assegurar. Às vezes, voltar é uma espécie de conformismo, ou falta de alternativa. Não irei além, não vou fazer Gláucia ficar zangada, tirando de seus leitores a satisfação da leitura sem orientação prévia. Não estou orientando, estou alegremente escrevendo sobre o que li.
Mais um prêmio para a galeria de Gláucia Lemos, que teve início em 1985, quando a nossa escritora ganhou o Prêmio Cidade de Salvador da Academia de Letras da Bahia, com o romance O riso da raposa, e não parou mais. Que outros prêmios aconteçam, serão sempre merecidos!