sábado, 31 de julho de 2010

DA FRANÇA


FIZESTE BEM EM PARTIR, ARTHUR RIMBAUD!
René Char


Fizeste bem em partir, Arthur Rimbaud! Teus dezoito anos refratários à amizade, à malevolência, à bobeira dos poetas de Paris, assim como ao zunzum de abelha estéril de tua família ardenesa um pouco doida, fizeste bem em espalhá-los aos quatro ventos, em jogá-los sob a lâmina de sua guilhotina precoce. Tiveste razão em abandonar o bulevar dos preguiçosos, os botequins dos mija-liras, pelo inferno das feras, pelo comércio dos espertos e o bom-dia dos simples.
Este impulso absurdo do corpo e da alma, esta bala de canhão que explode seu alvo, sim, é isso mesmo a vida de um homem! Não se pode, indefinidamente, saindo da infância, estrangular seu próximo. Se os vulcões mudam pouco de lugar, sua lava percorre o grande vazio do mundo levando virtudes que cantam em suas feridas.
Fizeste bem em partir, Arthur Rimbaud! Ainda há quem creia, sem provas, que contigo a felicidade é possível.


Fúria e Mistério
Tradução de Augusto Contador Borges para O nu perdido e outros poemas (Iluminuras, 1995), de René Char (1907-1988).

Ilustração: "Theatre du vaudeville", de Jean Béraud (1849-1935).

SONIA COUTINHO NA LIVRARIA LDM

Sábado, 31 de julho, na Livraria LDM, a escritora Sonia Coutinho lançará a reedição de Atire em Sofia.

GLÁUCIA LEMOS ELEITA PARA A ALB

Gláucia Lemos foi eleita, no dia 29 de julho, para ocupar a cadeira nº 14 da Academia de Letras da Bahia.
Gláucia Maria de Lemos, escritora brasileira, nascida em Salvador, Bahia, é autora de 34 títulos, entre eles a coleção “Marujo Verde”, de literatura infanto-juvenil, além de reunião de contos e romances premiados, tais como: O Riso da Raposa, pela Academia de Letras da Bahia, em 1985, A Metade da Maçã, pela Secretaria de Cultura do Recife, em 1988, As Chamas da Memória, pela União Brasileira de Escritores – Rio de Janeiro, em 1990 e Bichos de Conchas, vencedor do II Prêmio de Literatura da UBE/Scortecci, em 2007.
A sua obra publicada é, praticamente na sua totalidade, prosa, exceção feita aos dois livros de poemas.

Foto: Gláucia Lemos, a mais recente imortal da ALB, no centro. O presidente da ALB, Edivaldo M. Boaventura, e GD. Mais fotos no blog da Academia de Letras da Bahia:

domingo, 25 de julho de 2010

UMA POSSIBILIDADE ERÓTICA

Gerana Damulakis

A leitura do poema "Adormecida", do baiano Castro Alves (1847-1871), levanta uma possibilidade interessante: uma moça na rede, a janela aberta, a natureza num pedaço do horizonte. Da moça: o roupão quase aberto, o cabelo, o pé. Uma cena com possível eroticidade. O jasmineiro, de galhos encurvados, indiscretos e oscilantes, tremulamente inicia um movimento sensual. Há uma possibilidade erótica no poema romântico. As reticências são suspensões de sentido; a necessidade de suspender o sentido é, assim, mais sugestiva. De repente, a comparação com uma brincadeira de duas cândidas crianças parece diluir a possibilidade, só que, na verdade, fica claro que há uma tentativa de tornar falsa a tal possibilidade. A penúltima estrofe chega a trazer o movimento de ir e vir e pode ser lida como o ponto alto da possibilidade erótica. Enfim, os dois últimos versos criam a metáfora flor-mulher para retomar o pleno romantismo.


ADORMECIDA
Castro Alves

Uma noite, eu me lembro... Ela dormia
Numa rede encostada molemente...
Quase aberto o roupão... solto o cabelo
E o pé descalço no tapete rente.

'Stava aberta a janela. Um cheiro agreste
Exalavam as silvas da campina...
E ao longe, num pedaço do horizonte,
Via-se a noite plácida e divina.

De um jasmineiro os galhos encurvados,
Indiscretos entravam pela sala,
E de leve oscilando ao tom das auras,
Iam na face, trêmulos, beijá-la.

Era um quadro celeste!... A cada afago,
Mesmo em sonhos, a moça estremecia...
Quando ela serenava... a flor beijava-a...
Quando ela ia beijar-lhe... a flor fugia...

Dir-se-ia que naquele doce instante
Brincavam duas cândidas crianças...
A brisa, que agitava as folhas verdes,
Fazia-lhe ondear as negras tranças!

E o ramo ora chegava, ora afastava-se...
Mas quando a via despertada a meio,
P'ra não zangá-la... sacudia alegre
Uma chuva de pétalas no seio...

Eu, fitando esta cena, repetia
Naquela noite lânguida e sentida:
"Ó flor! — tu és a virgem das campinas!
Virgem! — tu és a flor da minha vida!..."

Ilustração: estátua de Castro Alves, Salvador, Bahia. Foto retirada do Flickr, de E. Cesar.

PARABÉNS PARA O BLOG DO CHORIK


CREPÚSCULO

A velha senhora contemplou da janela de seu quarto o crepúsculo e vaticinou: "amanhã será um lindo dia". Veio, contudo, a madrugada e a levou para longe.

Celso Horikawa

Retirado do http://blogdochorik.blogspot.com/ .
Ilustração: Crepúsculo, de Van Gogh.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

A VOZ DO DESEJO


James Joyce considerava seu romance Ulisses um livro sobre o homem comum e, ainda, um livro para o homem comum.
Interessante a constatação de Brenda Maddox, biógrafa de Nora Joyce (mulher de James Joyce), quando acrescenta que Ulisses é também um livro para a mulher comum, além de "ter dado a seu país e a seu século a voz do desejo feminino", haja vista o inesquecível monólogo de Molly Bloom, no final do romance. Indo mais adiante, Maddox constata que o monólogo de Molly antevê um século de vozes femininas e transpira sensualidade.
Lembrando que Ulisses traz uma variedade de estilos, um estilo para cada capítulo, o trecho abaixo é um exemplo dessa peculiaridade.

Gostaria que um homem ou outro me pegasse alguma vez quando estivesse por perto e me beijasse em seus braços não há nada como um beijo demorado e quente até a alma quase nos paralisa.
Molly Bloom, trecho do monólogo, in Ulisses, de James Joyce

Ilustração: de Egon Schiele (1890-1918).

sábado, 17 de julho de 2010

A SÍNDROME DE STENDHAL

Gerana Damulakis

A literatura e tudo que envolve tal arte e seus artistas, tudo, enfim, acaba compondo um outro mundo: somos levados a esse mundo, incluindo suas curiosidades.
Aqui vai uma: a síndrome de Stendhal - o autor do genial O vermelho e o negro e do igualmente clássico A cartuxa de Parma - teve origem na descrição feita pelo escritor para registrar sua reação diante dos afrescos de Giotto na capela da igreja de Santa Croce, em Florença:
Absorvido na contemplação da beleza sublime (...) cheguei ao ponto em que se tem sensações celestiais (...). Tudo falou de modo muito vívido à minha alma.
Várias histórias, no começo do século 19, narravam sobre pessoas que desmaiavam diante da beleza artística de Florença. A síndrome foi nomeada, então, Síndrome de Stendhal, mas isso só se deu em 1979, por conta de uma psiquiatra italiana, Graziella Magherini, depois que analisou mais de uma centena de casos, desde ataques de pânico, até acessos de loucura temporária. Culpa da beleza extremada da cidade, dos afrescos de Giotto, ou produto da sugestão dada pelas palavras de Stendhal?


Ilustração: Giotto, dia da ascensão do evangelista João, capela Peruzzi da basílica da Santa Cruz, em Florença.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

PALAVRAS DE ALMADA NEGREIROS

AS PALAVRAS

O preço de uma pessoa vê-se na maneira como gosta de usar as palavras. Lê-se nos olhos das pessoas. As palavras dançam nos olhos das pessoas conforme o palco de cada um.
Almada Negreiros

CENTENÁRIO DAS PALAVRAS

Todos os dias faz anos que foram inventadas as palavras. É preciso festejar todos os dias o centenário das palavras.
Almada Negreiros

Ilustração: Acrobatas, de Almada Negreiros (1893-1970).

quarta-feira, 14 de julho de 2010

QUINTA-FEIRA, DIA 15: ARAMIS E CARLOS NA ALB


Neste julho, o Encontro Literário da Academia de Letras da Bahia será na quinta-feira, dia 15. Os escritores: Aramis Ribeiro Costa e Carlos Barbosa. Comentários: Ângela Vilma e Janaína Amado.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

ÂNGELA VILMA: POEMAS PARA ANTONIO


Ângela Vilma lançará Poemas para Antonio (P55 Edições, 2010). A poesia de Ângela tem base na memória. Ângela é uma escritora que registra todos os instantes da vida e, depois, seja na poesia, seja na prosa, tais instantes ganham outra vida. Uma prévia:


FERROVIA

Ângela Vilma


Ele vestia uma camisa de listras.
E passou o nariz nas minhas costas.
Eu no seu colo, como se fosse filha.

Nua, meu vestido me despia.
E as mãos dele na minha cintura cindiam
As veias entorpecidas naquele dia.

Era dura a sua calça, de um jeans antigo
E acolhia minhas nádegas como trilhos
De uma ferrovia – áspera e descalça.

Era farta a sua promessa, entrega ávida
Nos dedos que invadiam meus cabelos,
Apagando e escrevendo poemas velhos.

Era mesmo de graça o momento eterno
Que eu registrava com meu corpo no seu colo,
Asfixiando a morte, os demônios, o mundo todo.

Visite o blog http://angelaemonica.wordpress.com/ sobre o lançamento dos livros de Ângela Vilma e Mônica Menezes na Coleção Cartas Bahianas.

domingo, 11 de julho de 2010

MÔNICA MENEZES: ESTRANHAMENTOS


Mônica Menezes lançará Estranhamentos (P55 Edições, 2010), um livro de poemas realizados sob o poder da sensibilidade. Poeta sensível, pois, que absorve a vida, cada detalhe da vida, e faz versos líricos sobre a realidade e sobre os sonhos.



SONHO DE BAILARINA

Mônica Menezes

da caixa onde vivo
não posso alcançar o teu beijo
e guardo-me encolhida
os braços enlaçando as próprias pernas
os lábios comprimindo o desejo
já faz muito tempo
e esta caixa é minha única sina
mas noites a fio
(esgarçando os dedos de menina)
entremeio cristais e seda fina
e um diáfano vestido teço
para o sonho de ser bailarina

Visite o blog http://angelaemonica.wordpress.com/ sobre o lançamento do livro Estranhamentos, dia 3 de agosto, na Livraria Tom do Saber, no Rio vermelho.

DUAS POETAS E O BLOG DOS LIVROS


Duas poetas terão seus livros lançados pela P55, na Coleção Cartas Bahianas, no próximo dia 3 de agosto. Para tanto, Marcus Gusmão criou o blog http://angelaemonica.wordpress.com/.

No blog "Ângela e Mônica" há entradas fornecendo prévias dos livros Poemas para Antonio e Estranhamentos, respectivamente de Ângela Vilma e Mônica Menezes. Além de, através do blog, ser possível registrar sua compra antecipada.

Ao longo dos dias seguintes, farei aqui postagens especiais com as duas poetas porque, seguramente, são duas poetas de primeira.

Foto: Mônica Menezes e Ângela Vilma estão nas pontas. No centro, Lidi (em pé) e eu.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

30 ANOS SEM ELE

DIALÉTICAÉ claro que a vida é boa
E a alegria, a única indizível emoção
É claro que te acho linda
Em ti bendigo o amor das coisas simples
É claro que te amo
E tenho tudo para ser feliz

Mas acontece que eu sou triste...

Vinicius de Moraes

9 DE JULHO, NA LDM


quinta-feira, 8 de julho de 2010

LAVOURA ARCAICA


Gerana Damulakis
---------------------para Helena, (http://bipedefalante.blogspot.com/)

...o tempo, o tempo, esse algoz às vezes suave, às vezes mais terrível, demônio absoluto conferindo qualidade a todas as coisas, é ele ainda hoje e sempre quem decide e por isso a quem me curvo cheio de medo e erguido em suspense me perguntando qual o momento, o momento preciso da transposição?
--------------------------Raduam Nassar


Na lista dos romances “clássicos” da literatura brasileira — “clássicos”, segundo uma conceituação que leva em conta a excelência dentro de certa literatura —, seguramente Lavoura Arcaica (1975), de Raduam Nassar, tem seu lugar garantido.

O romance é estruturado conforme a parábola que lhe serve: a parábola do filho pródigo, aquele que parte e retorna. André é o filho que partiu, um filho violentado pelas leis rígidas da família: a ditatorial lei paterna, a afeição materna, a família fechada para o mundo.

No início do romance, André recebe o irmão mais velho, que veio para buscá-lo. André revive os acontecimentos determinantes de sua partida, incluindo o incesto com a irmã. As reflexões de André, durante todo o romance, seguem justamente aquele tom dos sermões que o pai pregava, só que, enquanto o pai deita conselhos alicerçados na palavra “não”, André quer dizer “sim” para tudo, até para o que contraria as leis naturais.

A grande discussão gira em torno do tempo: é o tempo que guia o acerto de contas familiar. O pai usa o “nunca”, o filho quer o “já”. E, já, André volta, e volta com sua caixa cheia de badulaques. A irmã, Ana, usa tais badulaques nos festejos da volta do irmão, dando, assim, mais uma volta no tempo — algo que o pai não suporta.

A linguagem, como sempre a linguagem, é movida pela força e pelo fôlego; este último, o fôlego, confere à narrativa por ele ritmada, a originalidade do discurso. E ainda: o tom é o de um recital, ora trágico, ora lírico. Seja pela elaboração, estrutura, registro e versão da parábola, seja pelo tanto de recursos de linguagem, o poder das metáforas, o vocabulário diverso e rico, Lavoura Arcaica é um grande romance da literatura brasileira do século vinte e marca o nome de Raduam Nassar na galeria dos grandes escritores brasileiros.


Foto: Raduam Nassar.

domingo, 4 de julho de 2010

EXCESSO DE SER



Gerana Damulakis

Os poetas e os leitores de poesia têm algo em comum: o sentimento do excesso de ser.
O poeta português Mário de Sá-Carneiro escreveu: “De excesso, morri à míngua”, enquanto Mário de Andrade chegou a precisar: “Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cinquenta”.
São os versos de Mário de Andrade que utilizo em determinadas circunstâncias, talvez em momentos confusos, onde excessivamente sou tantas, ainda que haja a fé — “ Mas um dia afinal eu toparei comigo”.

O poema de Mário de Andrade abaixo conserva a ortografia da época.


EU SOU TREZENTOS...
---------------------Mário de Andrade

Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta,
As sensações renascem de si mesmas sem repouso,
Ôh espelhos, ôh Pirineus ! Ôh caiçaras!
Si um deus morrer, irei no Piauí buscar outro!

Abraço no meu leito as milhores palavras,
E os suspiros que dou são violinos alheios;
Eu piso a terra como quem descobre a furto
Nas esquinas, nos táxis, nas camarinhas seus próprios beijos!

Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta,
Mas um dia afinal toparei comigo...
Tenhamos paciência, andorinhas curtas,
Só o esquecimento é que condensa,
E então minha alma servirá de abrigo.


Ilustração: de Lasar Segall, Mário de Andrade, 1927.