quarta-feira, 6 de maio de 2009

A FALTA DE ASSUNTO


Gerana Damulakis


Muitas crônicas das boas começam comentando a total falta de assunto. Grande parte dos cronistas fizeram assim, desde Rubem Braga, ou Adroaldo Ribeiro Costa, até os cronistas mais atuais, como se, por este desabafo, a falta ficasse espantada ao ser comentada e, puf!, deixasse espaço para o texto fluir.

Quando eu não tenho assunto - e não sendo Braga, não sendo Adroaldo - é porque estou com medo. Fiz do meu passado uma eternidade e do meu futuro um medo enorme, disse-me um amigo. Creio que depois de uma perda, todo mundo fica assim. Não, não fica. E também não me interessa fazer uma comparação com outras pessoas. Não muda a estupidez do medo. Queria ser menos esnobe em se tratando de literatura (mas é a minha única vaidade, permita-me alguma, por Deus: eu, que diante de e vivendo entre escritores, me deparo com cada ego incrivelmente robusto) e, repito, às vezes (raramente mesmo, culpa do medo) penso que gostaria de ser mais maleável e gostaria de comprar um livro de Flávio Gikovate: quem sabe ele escreveu ali, naquele sobre a felicidade, alguma receita para espantar o demônio do medo. Não consigo perder tempo assim com tais leituras. Ele é tão inteligente, será que não sabe que receitas de felicidade não existem? Será que estou enganada e ele não passa receitas, tão somente tenta mostrar como se pode chegar devagar, de mansinho, e aplicar o golpe final na criatura do medo?

Quanta bobagem. Avisei que sou leitora. Vou ler uma escritora como Willa Cather, recomendada por Truman Capote no seu Música para camaleões (foi um livro encantador, porque além do estilo de Capote, que me arrebata, ele conta histórias, tais como a que leva à Wila Cather). Ah, vou contar um pouco: Capote estava perto de completar 19 anos, quando saiu de uma biblioteca, onde também estava uma mulher. Ambos encontraram-se fora, junto ao meio-fio. Começaram a conversar e ele disse que queria ser escritor e estava trabalhando num romance. Ela quis saber quais eram os escritores americanos que ele gostava. Como todo jovem, ele foi descartando como se dono da verdade fosse: "Não Hemingway (...) Nem Thomas Wolfe (...) Faulkner, às vezes (...) Fitzgerald, às vezes: O diamante do tamanho do Ritz, Suave é a noite. E gosto muito de Wila Cather. Já leu My mortal enemy?
Sem nenhuma expressão especial, ela disse: Na verdade, fui eu que escrevi".

Daí continua deliciosamente. Ponto altíssimo: a visão do escritor que conclui sobre a existência de uma diferença, "uma diferença entre escrever muito bem e a verdadeira arte; sutil, mas devastadora".

Foto: capa de Música para camaleões, Companhia das Letras, 2006.