sábado, 23 de outubro de 2010

"DESPRETENSIOSO FILOSOFAR"

Gerana Damulakis

O poema "Momento num café", de Manuel Bandeira, traz, segundo Emanuel de Moraes (em Manuel Bandeira - Análise e interpretação literária), o "despretensioso filosofar" do poeta, indicando sua crença de que, com a libertação da alma e tudo que lhe pertence - as dores, as angústias e as frustações -, a matéria, enfim, estaria livre.
Vale notar que Bandeira, neste poema, fala de uma morte que não é a dele ( coisa rara no poeta que escreveu: - Eu faço versos como quem morre, em "Desencanto").

MOMENTO NUM CAFÉ
------------------Manuel Bandeira

Quando o enterro passou
Os homens que se achavam no café
Tiraram o chapéu maquinalmente
Saudavam o morto distraídos
Estavam todos voltados para a vida
Absortos na vida
Confiantes na vida.


Um no entanto se descobriu num gesto largo e demorado
Olhando o esquife longamente
Este sabia que a vida é uma agitação feroz e sem finalidade
Que a vida é traição
E saudava a matéria que passava
Liberta para sempre da alma extinta.

---------------------------------------iin Estrela da manhã

Ilustração:O grande bar, de Alberto Sughi (1928- ), da série temática Noturnos, 2000.