segunda-feira, 8 de junho de 2009

POEMAS-DIÁLOGO




Gerana Damulakis

O mais interessante nos poemas-diálogo abaixo é que Vinícius de Moraes tece a homenagem ao poeta Cabral usando realmente todo o fazer poético do homenageado: as quadras cabralinas (forma), a métrica (redondilha menor), as palavras despidas de lirismo, "áridas" como "pedras", daí a imagem final do diamante, a pedra mais dura e também a mais preciosa. Já Cabral procura minimizar o elogio, aceitando a aridez, mas não a da pedra valiosa, tal o diamante, e sim a do diamante industrial, que vale pelo que tem de cacto. Dois mestres, dando um show de poesia!

RETRATO À SUA MANEIRA
(João Cabral de Melo Neto)
Vinícius de Moraes

Magro entre pedras
Calcárias possível
Pergaminho para
A anotação gráfica

O grafito Grave
Nariz poema o
Fêmur fraterno
Radiografável a

Olho nu Árido
Como o deserto
E além Tu
Irmão totem aedo

Exato e provável
No friso do tempo
Adiante Ave
Camarada diamante!


RESPOSTA A VINÍCIUS DE MORAES
João Cabral de Melo Neto

Camarada diamante!
Não sou um diamante nato
nem consegui cristalizá-lo:
se ele te surge no que faço
será um diamante opaco
de quem por incapaz de vago
quer de toda forma evitá-lo,
senão com o melhor, o claro,
do diamante, com o impacto:
com a pedra, a aresta, com o aço
do diamante industrial, barato,
que incapaz de ser cristal raro
vale pelo que tem de cacto.

À esquerda, escultura de Vinícius de Moraes, trabalho de Juarez Paraíso. Local: Rua Carlos Drummond de Andrade, Itapuã, Salvador, Bahia.
À direita, escultura de João Cabral de Melo Neto. Local: Rua da Aurora, Recife, Pernambuco.