quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

A META OU A SAIDA

Gláucia Lemos



Todos estamos tentando encontrar algum caminho. Entendemos que ele deve existir em algum ponto. Mesmo que tal caminho não exista, urge que acreditemos. Enquanto acreditarmos em uma possibilidade, essa possibilidade existirá.
Houve um dia em que saímos. Não havia destino determinado, não fomos consultados, não que me lembre. Só me recordo de me descobrir a caminho, sem indicação traçada. Era preciso seguir. Não me entregaram bússola, nem mapa. Qualquer indicação. Apenas: Vai! Alcança tua meta! — E qual o código? — Ser bom e honesto. —Não seria difícil.
É assim que partimos. Para onde? Por onde? Alcança tua meta... Mas que meta?
É assim que começamos. E começamos mais ou menos por imitação, imitando o que vemos. Escola, profissão, cumprimento de deveres. Regras entre o bem e o mal, o maniqueísmo imposto necessariamente em todas as questões. Amar, casar, reproduzir e assumir as responsabilidades consequentes. Um sistema a ser seguido ou a marginalidade. Cumprir, cumprir, cumprir.
Até que em dado momento, depois de todos os relógios cansados de girar, da exaustão de todos os momentos, do esgotamento de todas as pilhas da paciência e da coragem, começamos a perguntar se já não suamos todas as nossas camisas, se já não estragamos todas as solas dos nossos sapatos, se já não fomos bons em pelo menos 90% da jornada, e não fomos honestos em 100% dela. Honestos sim, em 100% dela, ainda quando duvidaram da nossa honestidade. Então olhamos para os lados e ainda não há setas nem placas indicativas. Para a frente olhamos todo o tempo e só logramos avistar a poeira que ainda nos esperava a ser vencida, sem certeza de para onde estarmos indo; sem companhia a suavizar e nos confortar a mão, porque a cada um cabe batalhar sua própria batalha. E a meta? O que é a meta? Onde ela está?
Inúmeras vezes nos equivocamos admitindo um objetivo e guerreando por ele, acreditando que nós próprios haveremos de eleger a nossa meta, embora não nos tenham avisado disso. No entanto, se o alcançamos, aturdidos percebemos que à nossa frente a estrada continua, a neblina acima de um chão árido e acidentado se nos oferece a rasgá-la, e prosseguir, prosseguir. Buscando o que nos cansamos de buscar sem sequer lhe ter o nome.
Chega o momento de cansaço. A bagagem que carregamos recheada dos nossos enganos, das nossas crenças e convicções, das nossas festas ressaqueadas do amargor das alegrias falsas, já ameaça ser mais pesada que a capacidade de vergar-se da nossa coluna vertebral. E prosseguir com a nenhuma certeza, absolutamente igual à nenhuma certeza que tínhamos quando partimos, quase nos convence de que viver talvez venha a ser uma pegadinha de muito mau-gosto , já que a estrada da procura se prolonga semelhante aos números das periódicas que resultavam de algumas operações que aprendemos nos nossos primeiros tempos de matemática.
Acabamos por nos perguntar: será que há mesmo um caminho a ser descoberto? uma saída que resulte na solução para tão prolongada jornada? Uma saída que esteja à espera de que a encontremos e possamos parar e respirar dizendo: valeu a pena. Testemunhamos que nossos impasses se multiplicam. Não há respostas, no entanto precisamos acreditar que em algum momento as saídas se mostrem porque apenas se conseguirmos uma faísca de fé em uma possibilidade, essa possibilidade existirá, mesmo que não seja maior que o brilho de uma faísca. E urge acreditar. Todos precisamos crer que uma vereda se abrirá diante dos nossos pés, se não porque a mereçamos, ainda que cumprido o código do bom e do honesto, se não porque a mereçamos por outros motivos ignorados por nós, ao menos por um capricho do acaso, por uma lei qualquer entre as muitas leis naturais que, na nossa pequenez, nos parecem injustas, há de haver uma saída para os impasses de cada um de nós.
Porque, então... Viver será só isso?



Gláucia Lemos é poeta, ficcionista e cronista. Seu mais recente romance é o premiado Bichos de Conchas (Scortecci, 2008).