domingo, 27 de setembro de 2009

O PARAÍSO SEGUNDO BORGES


Óleo sobre tela do argentino Gabriel Caprav

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

HAVERÁ POR CERTO UM TEMPO

Gerana Damulakis

Houve um momento, há alguns meses, quando fiquei com vontade de não atualizar mais o blog. Deixei passar. Perto do aniversário de 2 anos, senti outra vez a vontade de parar. Chegou o dia 2 de setembro, o blog fez 2 anos e eu continuei. Todavia, às vezes sentimos as coisas de antemão e, realmente, ocorreu um fato que consolidou o que já vinha crescendo dentro de mim: a vontade de parar com as atualizações.
A finalidade do blog não foi colocar textos sobre meus sentimentos, minha visão do mundo, ou os fatos que aconteceram na minha vida (embora tenha feito isso em poucas ocasiões, que nem cabem nos dedos das minhas mãos). O próprio título (título? só penso em livros!), Leitora Crítica, aponta para o mundo dos livros e, de quebra, faz uma ponte com a coluna semanal que tive no Caderno 2, do jornal A Tarde, por 4 anos inteiros, chamada Leitura Crítica.
Depois de um intervalo fora do meio literário, por luto e tristeza imensos, fui retomando o contato. Primeiramente, graças a Ildásio Tavares, que me chamou para assinar a coluna Olho Crítico na Tribuna, em 2007. Iniciei o blog para reproduzir a coluna. Depois, Luís Antonio Cajazeira Ramos me chamou para uma reunião literária no primeiro semestre de 2008, a qual me tirou definitivamente da reclusão, pois que ela vem ocorrendo, desde então, mensalmente.
Voltei a frequentar a Academia de Letras da Bahia, onde as pessoas sempre me acolheram muito bem e onde recebo muito carinho, principalmente por parte dos que me conhecem há bastante tempo. Mas, o tempo — tempo, o implacável — não me deixou impune: vejo que tanta coisa mudou, ou ficou mais evidente. Não na Academia, mas no mundo literário.
Conversando com Hélio Pólvora sobre algo que temos em comum, o prazer imensurável pela leitura, concordamos que o melhor mesmo é ler. O mundo literário não me faz falta, os livros fazem. Com a parada das atualizações neste blog, quase que encerro parafraseando José Saramago, que se despediu do dele (O Caderno de José Saramago) faz pouco tempo, mas vou resistir. Não resisto, no entanto, a fazer os agradecimentos a todos que colaboraram no Leitora. Foi uma honra para mim todas as vezes que algum(a) escritor(a) enviou um texto para o blog.
Um agradecimento especial vai para Gláucia Lemos, a escritora que mais esteve presente e que aqui fez nascer um livro de crônicas, o seu 34º título.


And indeed there will be time...
T. S. Eliot, in The Love Song of J. Alfred Prufrock

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

FATALIZADO

Gustavo Felicíssimo

A Ruy Espinheira Filho


Ele sempre volta...
Depois dos paraísos perdidos,
lugares encantados,
ele sempre volta...
Às vezes a viagem é longa,
ele se demora.
Namora o tempo e o mar,
os pássaros e o nascer do dia.
Ele se excita com a vida
- onda encontrando a rocha -
-------------e com o peixe,
troféu do pescador.




Itapuã - Primavera de 2003.

UMA PROSA SOBRE VERSOS COM ELIANA


LIVRO DE PAULO MARTINS


terça-feira, 8 de setembro de 2009

DA REALIDADE II

Gerana Damulakis

Uma série de acontecimentos: eu já estava com vontade de levantar algumas questões sobre literatura e realidade, literatura e mentira. Tenho que explicar a razão para evitar conclusões erradas. Tudo surgiu por conta de indagações sobre a necessidade da verossimilhança na literatura. Isto surgiu discutindo com Hélio Pólvora em uma ocasião, depois com Luís Antonio Cajazeira Ramos — portanto, não tem relação com outras pessoas, claro está.

O outro ocorrido veio da releitura dos livros de Állex Leilla. Reli todos os contos dela. Admiro muito a literatura de Állex: prosa madura, vigorosa, fruto de seu total domínio e conhecimento da arte literária. Pois aí, nas “orelhas” do volume Urbanos, de Állex Leilla, encontrei uma colocação de Ruy Espinheira Filho, ao saudar a escritora, completamente de acordo com o que eu gostaria de plasmar aqui.

Em seguida, em conversa com Ruy, na sexta-feira, na ALB, disse tudo isto para ele. Ruy repetiu as palavras que estão abaixo, retiradas das “orelhas” do livro de Állex, quando ele suscitou a mesma questão para enfatizar o tanto que há de vida pulsando nas páginas de nossa escritora. A reprodução das palavras de Ruy respondem e arredondam todas as indagações sobre o assunto.

Tchekhov exigia verdade e honestidade na elaboração da obra literária. Sim, porque o escritor não pode ser desonesto, não pode falsificar os seus personagens, não pode trair a verdade da vida. Nunca entendi os que dizem — e até escritores já flagrei neste equívoco imperdoável (!) — que os ficcionistas são mentirosos porque contam histórias que não são reais.
Ora, como não são reais — apenas por que nunca aconteceram? São reais, sim, e aconteceram, e acontecem — só que num outro pavimento da existência, ou paralelamente a ela. Só seriam falsas se não fossem verossímeis — e aí também não seriam literatura. Não, os ficcionistas não são mentirosos: eles falam da vida — e com tanta
verdade e honestidade que às vezes é bem mais cômodo pensar que tudo não passa de invencionice, que tais coisas só existem nos livros, pois é sempre delicado — para dizer o mínimo — perguntar por quem os sinos dobram. REF

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

DA REALIDADE I



"O gênero humano/ não pode suportar tanta realidade".

T. S. Eliot

"Quatro quartetos". In: Poemas. Trad. Ivan Junqueira.







Gustav Janouch, em Conversas com Kafka (Novo Século Editora, 2008), conta que visitou uma exposição de pintura numa galeria de Praga, acompanhando Kafka.

Diante das obras de Picasso, Janouch comentou que o pintor espanhol distorcia de próposito os seres , as coisas.

Kafka, um artista entendendo outro artista, disse: "Ele apenas registra as deformidades que ainda não penetraram em nossa consciência".

Foto: T. S. Eliot

CANÇÃO DO EXÍLIO

Pela melodia do poema que embala. Pela exaltação das maravilhas naturais. Pela saudade dos que, sendo brasileiros, não estão aqui (portanto, fora de lugar). E por já ter ido e já ter voltado, sei o quanto este poema tem seu momento.
Há 2 versos da "Canção do Exílio" no Hino Nacional. Pelo nosso 7 de setembro, quando o bonitão resolveu pela independência, escolhi os versos de:

Gonçalves Dias

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar — sozinho, à noite —
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

domingo, 6 de setembro de 2009

RAVEL EM JULHO

Gláucia Lemos
-------------------( A Maria Antônia Ramos Coutinho
-------------------- e seu encantamento por Ravel )



Venho trazida do meu sono a pouco e pouco, pela melodia que aumenta, repetitivamente. Vem, não sei de onde. Desperto devagar, até o completo tomar da consciência. É o bolero de Ravel na radiola da sala, enchendo a noite do meu apartamento. O disco que comprei na tarde anterior, quando a ventania de julho me tangia pelos passeios da avenida.
A frieza do meu universo interior punha-se a fazer unidade com o tiritar do clima de um julho impossível na cidade tropical, e o impulso de um trago de vinho em qualquer bar, inaugurou-se, impraticável a meus hábitos e à minha timidez.
O som de Ravel, na discoteca mais próxima, veio quente, profuso, e o desejo do improvável pifão de vinho fugiu do inferno e se tornou soberano, na mais que óbvia embriaguez do éden do bolero.
Mas agora eu dormia.
Nessa hora dormente, quem estaria habitando o meu espaço? Moro sozinha e há muito não hospedo amigos, na perfeita assunção da minha solitude.
Coração cheio de dúvidas, levanto-me. Quem adentraria a minha morada sem licença, se a ninguém concedo as minhas chaves?Se a meu santuário sagrado só a poucos eleitos permito ingresso? Não acendo as luzes e me esgueiro pelo corredor. Respiração opressa, pés descalços, ponho-me por detrás da cortina da porta.
A lua cheia deita um retângulo de luz na minha sala, pelo vidro da porta da varanda. Surpresa, descubro que, em uma dança flamenga, se divertem os gitanos pintados no par de espelhos do living. Na radiola a música de Ravel anima a dança sensualíssima dos dois.
A mulher tilinta medalhas do bracelete, e, em um pandeiro, marca o ritmo febril, enquanto a outra mão agita os panos coloridos da saia de babados. É uma mulher bonita que parece ter nos olhos a doçura inebriante das infusões das amoras.
O homem deixa ver o peito robusto aparecendo à frente da jaqueta negra que traz colada ao tronco elegante de ombros morenos e roliços. Mostra um brilho penetrante nos olhos escuros que não estão muito abertos, e um meio sorriso que parece prazer e revela paixão, na boca pequena. Com gestos ágeis levanta a companheira, rodopia, movimentando as pernas compridas dentro da calça de tecido branco. É belo e arrogante. Um macho esplendoroso. Seus pés dançarinos como asas no espaço, teriam percorrido todo o traçado da constelação de Virgem, desenhando-o pelo pó do caminho vencido entre todas as catedrais erguidas à Virgem Maria. Desde Bayeux a Evreux e Chartres. E de Reims até Amiens e até Lê Havre. Andarilho profano, moço místico, das andanças das tribos nômades, cumprindo a devoção de maio. Seus pés desgastados dos caminhos, eram ágeis como asas, na dança que fazia. Macho esplendoroso! Contemplo-o. Atraída.
Mais aumenta o andamento da melodia no crescendo do bolero, mais se agita o par, mais cresce a paixão no ritmo da dança. Mais a minha apatia se dilui e se alvoroça, cá dentro, a fêmea acorrentada. Estou inteira transportada para o espetáculo que evolui no quadrado de luz no piso da sala.
Eis que lentamente o retângulo se estreita. A luz da lua rarefaz-se por cima do edifício, e se apaga o reflexo no chão. A radiola cala. Os ciganos, de um pulo, retornam aos espelhos. São figuras pintadas em art noveau. Silêncio. Mudez noturna no apartamento. Só o tique-taque do relógio da copa estremece, segundo a segundo, a magia do torpor.
Devagar deixo a cortina e me encaminho atravessando a sala, agora em penumbra. No sofá, reclinada, contemplo os ciganos pintados no brilho dos suportes de espelho. Lá está ela, de cabelos em ondas fugindo do lenço ao encontro dos ombros. Sorriso de tinta na boca delicada. As flores sem vida, as medalhas quietas, o pandeiro em silêncio. Graciosa mulher! À esquerda ele está. O bigode de nanquim, pouco acima dos lábios de cantos marcados. O olhar perigoso no escuro dos olhos, plenos de avidez bem posta pelo artista. As moedas opacas, a pistola antiga, a bem sugerida malícia, no sugestivo sorriso. Moço sensual! Ainda estou presa da mesma magia. Meu corpo tomado da estranha paixão que a dança flamenga espalhou no ambiente.
Vou à radiola e movimento o braço. Faço recomeçar Ravel no som do bolero. De olhos no espelho aguardo absorta. Vem o som em crescendo. Ritmo delirante me alucina a febre. O cigano se anima sem muita demora. As pálpebras se movem. Descerram-se os lábios, e as pontas dos dentes, brancas de alabastro, se mostram para mim. Não é só um sorriso, é bem mais, um convite. Ele salta do espelho. Me toma em seus braços. Dança, rodopia, me ergue no espaço. Seu corpo trescala forte aroma de vinho. Cheira sua boca a erva-doce fresca. Meu corpo está leve, minha boca febril. Sou feita de névoa tangida por ele, compasso a compasso. Os meus olhos e os olhos de sol do moreno cigano são o fio alongado de uma mesma paixão. Não vêem, não cansam, pertencem ao momento.
Ravel recrudesce. A sala se amplia e se torna infinita. Os sons do universo são os sons dessa hora.
Eu quero esse homem! Eu quero esse homem!
Escapo dos braços em um salto ligeiro. Pego da parede a mulher do espelho e atiro para a rua, com o vigor do ciúme. Escuto o ruído de vidros quebrados, no encontro da peça com o muro do prédio. Uma mancha de sangue ainda conta esta história.
O homem me busca. Me arrasta pelo meio. Ravel se supera. Há uma orquestra na sala. O som é infinito. Emoção de Deus ao criar o universo. Ravel onipotente, crescendo, crescendo, crescendo, mais alto, mais som, mais ritmo, luz!!! Séculos. Milênios!
Sou coisa, sou nada, sou toda o cigano. Até o fim dos tempos.

Do livro Procissão e outros contos (FUNCEB, 1996 - Selo As Letras da Bahia).

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

ECLESIASTES








Gláucia Lemos




Há um tempo de caminhar na praia
e alumbrar os olhos no horizonte
ante o nascer do sol.

Há um tempo de postar-se à janela
e, mão no queixo, contemplar a luz difusa
da hora do sol se por.

Há um tempo de saber das folhas secas
que perderam seu tempo de validade
e caíram para o chão.

Perdoa, meu amor,
o meu alheamento.
Eu hoje estou varrendo folhas mortas
do chão do meu jardim.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

BERNARDO LINHARES EM DIÁLOGO COM SOSÍGENES COSTA



GD
O poema abaixo é uma homenagem do poeta Bernardo Linhares ao poema de Sosígenes Costa. Primeiramente, pensei em colocar ambos os poemas para sentirmos o diálogo; depois, achei mais interessante que cada leitor, se apreciador da obra poética de Sosígenes Costa, fosse sentindo, do seu modo, o quanto o poema de BL conversa com SC e, de resto, aplaude o poeta de Belmonte.

AZUL

Bernardo Linhares

Para Luzia e JVeloso
---------------------------------------------------------------------- O mais azul de todos os delírios
---------Sosígenes Costa


Tecendo e penetrando a nova aurora,
a lua nova agora devaneia.
Além da vela, vibra a flor da flora.
O azul cavalga o dorso da sereia.

Nascendo rosa em toda passiflora,
clareia o amarelo e o azul semeia.
Seus tons, seus entretons, fazendo a hora
o azul cavalga o dorso da sereia.

No verde, coroada por gaivotas,
a lua nova permanece acesa.
Feliz, a cor do mar dá cambalhotas

mostrando sobre as águas seu sorriso.
A vida segue a trilha da beleza
do azul que faz de tudo um paraíso.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

terça-feira, 1 de setembro de 2009

GLÁUCIA LEMOS NA CASA DE JORGE AMADO


FIM DOS TEMPOS

Gláucia Lemos

Amanhã pode ser que exploda
no bairro, uma bomba.
Ou te espreite uma arma sem nome
na virada da esquina.
Pode ser que uma nave
aterrisse na praça,
ou que um míssil prosaico
derrube uma estrela.

Amanhã pode ser proibida a loucura
de se fazer versos.
Pode ser que um perverso
aprove uma lei
proibindo cantar.

Mas hoje
ainda temos umas sobras de nós.
Amemo-nos, pois!
Amanhã será logo mais.
Pode ser que não haja mais tempo
para ser feliz.