sábado, 4 de outubro de 2008

UM POEMA DE MANUEL ANASTÁCIO

Aestus


A terra cheira a vinho abafado.
As couves, tenras, aconchegam caracóis.
As vides, soltas, erguem falanges, tecem fantasmas.
A terra cheira a vinho abafado.
A mosto guardado em formol,
Como a doçura de quem nunca morreu.
Só mais umas gotas desta dor que, ardendo
Sabe a mel.
Em vez de fumo, nevoeiro,
E em vez de brasas, bagas de romã.



Manuel Anastácio assina o blog Da Condição Humana (http://literaturas.blogs.sapo.pt/) e está preparando um livro de poemas.

Foto de marina vrgs, da série "por dentro - romã", retirada do Flickr.

VERSOS INESQUECÍVEIS



Gerana Damulakis

Sempre que tenho vontade, coloco aqui versos que estão na minha memória e ficam se repetindo em mim. Basta ouvir a palavra "esperança" para lembrar o poema "Viver", do livro As impurezas do branco, de Carlos Drummond de Andrade. Inesquecível a última estrofe:

Como viver o mundo
em termos de esperança?
E que palavra é essa
que a vida não alcança?

E aproveito para ir postando fotos dos monumentos aos poetas pelo Brasil. Depois de Cabral em Recife, Drummond no Rio de Janeiro. A foto é "Carlos Drummond de Andrade em Copacabana", de Mauricio M. Favero, retirada do Flickr.

AUSÊNCIA


Gerana Damulakis


Senti muito a ausência de Kátia Borges na nossa reunião de ontem. Eu havia prometido, na anterior, que leria quatro poemas. Fiquei repetindo isto, Kátia. E, pior, enumerando-os, mas não fiz a leitura. Luís Antonio Cajazeira Ramos atacou com Fernando Pessoa e leu os 14 "Passos da Cruz", com repeteco para alguns passos. Imagine o quanto reclamei, dizendo que tenho limite para ouvir poesia em voz alta sem interrupções. Aquela coisa: Lima fica rindo quando eu digo para Luís parar de ler e Luís não atende, obviamente. Lima Trindade leu Eugênio de Andrade; já o escritor Carlos Emílio C. Lima achou o poema fraco. Gláucia Lemos, bela por dentro e por fora, feliz com seu mais novo romance premiado e publicado. Ela e eu não lemos, só ouvimos. A parte que se refere à gastronomia estava péssima: foi a pior reunião em se tratando do que comemos, uma lasanha horrorosa e dois pudins (dois!!!). Vai abaixo um dos quatro poemas que eu pretendia ler para você. É de David Mourão-Ferreira

Tombam secretas madrugadas

e rios densos de pavor

de tuas pernas devassadas

por meu instinto e meu amor.

Em teus joelhos levantados

tocam as pontas de uma estrela.

(Quaisquer receios de pecados

empalidecem à luz dela...)

E as tuas ancas repousadas,

pra que o meu corpo se concentre,

esperam, cativas - que as espadas

de amor se cravem no teu ventre.

Do livro A secreta viagem