quarta-feira, 27 de maio de 2009

COMO OS AMANTES...

Gerana Damulakis


Como costuma acontecer com os amantes, depois de explorar bastante um ao outro, cantos e recantos, a paixão arrefece. A paixão, não o amor. A verdade é que o tempo transforma a paixão, muda mesmo; não sejamos hipócritas, é fato que desaparece a urgência, o rasgar das roupas ou o despir das roupas quando já se pensava estar satisfeito e, logo, tudo clama por mais uma vez. Ora, não é para ser um texto sobre a paixão amorosa, é um texto sobre a paixão pela poesia. Ezra Pound é um poeta por quem me apaixonei há muito tempo, tenho livros com seus poemas em inglês, em espanhol (por que?, a paixão não tem respostas), em português. Tenho aquele tijolo Os cantos, editado pela Nova Fronteira em 1986, com tradução de José Lino Grünewald, capaz de levar qualquer amante de poesia ao êxtase. Meu encanto maior fica com os poemas de Lustra: são tantas as traduções, de Augusto de Campos, Ernesto Cardenal (espanhol) e José Palla e Carmo.
São as máscaras de Ezra Pound que me fascinam. A obra poética está em Personae e n’Os cantos (ou Cantares). Afora a poesia épica do grande volume, toda a poesia restante foi reunida em Personae. O exercício de estilo, valorizando ora a fanopéia (presente no Imagismo), ora a melopéia, ora a logopéia: quanta prática, exploração, paixão. Volto para Pound com uma sensação já conhecida, mas sem o fogo de antes, volto reconhecendo sempre o valor de uma figura que respirava poesia, a sua e a dos outros, e volto, enfim, apaziguada, com a temperatura morna do amor.
Apaziguado também, Pound resolveu reconhecer Whitman. Gosto bastante daquele “pacto” que, afinal, se dá quando as sensações intensas recolhem-se em cinzas, quando podemos conversar, admirar sem gritar, acarinhar. Na tradução de José Palla e Carmo, do volume Ezra Pound - Poemas Escolhidos (Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1986), segue o poema de Ezra, “Um Pacto”:

Contigo, Walt Whitman, eu faço enfim um pacto –
Porque já te detesto há mais que basto tempo.
A ti eu me dirijo, qual o crescido filho
Cujo pai tem sido teimoso como burro;
Já tenho idade, enfim, para escolher amigos.
Se, por um lado, os toros tu cortaste,
Urge hoje outra tarefa, a de os lavrar em talha.
A seiva e a raiz nós temos em comum –
Que finalmente, pois, os dois comuniquemos.