domingo, 23 de dezembro de 2007

A HISTÓRIA DE UM POEMA



Gerana Damulakis


Numa noite de domingo estavam reunidos comigo na varanda de meu apartamento os seguintes escritores, por ordem alfabética: Aramis Ribeiro Costa, Luís Antonio Cajazeira Ramos, Malba Vellame, Maria da Conceição Paranhos e Soares Feitosa. Talvez algum silêncio cômodo entre dois assuntos, talvez o frescor da noite, o certo é que já não me lembro o que levou Malba a exclamar bem naturalmente: "Eu não quero chegar em casa nunca!", mas a fala detonou em Luís Antonio a seguinte estupefação: "Isto é um verso!". Imediatamente Soares Feitosa concordou e, logo, ficou resolvido que iríamos criar um poema a partir daí. Quando cada um estava dando sua contribuição, na minha vez eu disse assim: "Eu me perco no infinito de teu beijo", que foi transformado, por Luís Antonio, em: "No ocaso de teu beijo eu me infinito/ e esqueço da procura em que me perco", que são os dois últimos versos do segundo quarteto. Este soneto, de Luís Antonio Cajazeira Ramos, saiu primeiramente no livro Como se e agora consta também do livro Mais que sempre - uma antologia, onde está reunido o melhor de Cajazeira.


FADO DE CONTAS

Eu não quero chegar em casa nunca!
Malba Vellame (de súbito)


Eu não quero chegar em casa nunca,
a caminho, no abrigo de teu colo,
sonhando... no balanço do automóvel
que nos leva a um destino inalcançável.

O tempo pára, o espaço cristaliza-se,
e o carro é lar, e leito, e colo, e beijo...
No ocaso de teu beijo eu me infinito
e esqueço da procura em que me perco.

De encontro aos vidros saltam fachos vários,
como se objetos de desejos vastos,
nos quais meus gestos não se satisfaçam.

Aproxima-se o instante em que me apeio,
vai a carruagem, dobra a esquina, e sigo,
noctívago das horas, a teus passos.



Luís Antonio Cajazeira Ramos é autor de Fiat breu (Edições Papel em Branco, 1996), Como se (SCT, FUNCEB, 1999), Temporal temporal (Relume Dumará, 2002) e Mais que sempre (7Letras, 2007).