sexta-feira, 28 de novembro de 2008

CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA REFORMA ORTOGRÁFICA DO PORTUGUÊS

O reconhecimento de uma língua é a afirmação de uma nacionalidade.


Maria da Conceição Paranhos



LÍNGUA PORTUGUESA
Olavo Bilac

Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...

Amo-te assim, desconhecida e obscura,
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela
E o arrolo da saudade e da ternura!

Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,

Em que da voz materna ouvi: "meu filho!"
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!




É minha intenção esclarecer aspectos relacionados à Reforma Ortográfica do Português, prevista para vigorar em janeiro de 2009, não sem antes tecer considerações que julgo de relevância em torno do conceito de língua.

O Brasil, repetidamente se diz, é um país de sorte porque, apesar das dimensões continentais, todos falamos a mesma língua – é o que se diz. Também é comum ouvir que as línguas européias ou africanas ou chinesas, para citar algumas, têm muitos dialetos.

A unidade da língua não exige a imposição de uma norma única. Entretanto, dentre as línguas românicas, o português é uma das que possui norma mais rígida, ao contrário da língua espanhola com diversidade de normas lingüísticas não só no campo fonético, mas no léxico e no sintático. Uma maior flexibilidade normativa livraria grandes setores da população da inútil e deformante carga provocada pela aprendizagem na própria língua materna de todo um conjunto de “normas” estranhas ao seu saber lingüístico prévio, como tão bem expressou Celso Cunha ao se referir à língua espanhola. (Cunha:1985)

O que é, então, língua, dialeto?

É do lingüista Max Weinreich a boutade : “língua é um dialeto com um exército e uma marinha”. A realidade lingüística de fato, parece confirmar Weinreich. A distinção habitual entre língua e dialeto está plantada em critérios mais políticos do que lingüísticos.

Correndo o risco de não ser lida por monótona, indico o óbvio: língua é um sistema de comunicação formado de sons vocais (fonemas), que se agrupam para formar unidades dotadas de significado (morfemas), que se agrupam para formar palavras, que se agrupam para formar frases, que se agrupam para formar textos.

Para a Lingüística, ciência da linguagem que é, não há nada que distinga língua de dialeto. Ambos os sistemas têm léxico (uma lista de palavras) e gramática (conjunto de regras de como as palavras se combinam para formar frases, parágrafos e textos). Quem fala um idioma nacional e um dialeto regional é tão bilíngüe quanto quem fala dois idiomas. Por que, então, alguns sistema lingüísticos são considerados idiomas e outros, não?

Dialeto ou dialecto (mesmo brasileiros deste modo preferem) vem do grego diálektos, composto de diá, (através), e léktos, (fala). Seria, segundo alguns, uma espécie de fala “errada”, um linguajar defeituoso, não conforme às normas consideradas “cultas”, estabelecidas pelos gramáticos. Claro, neste momento falamos de língua oral, da modalidade oral da língua. A primeira definição de dialeto (que teria inspirado as posteriores) se baseava numa visão que a elite ateniense do período clássico tinha em relação à fala tanto das camadas populares quanto a dos estrangeiros (não-atenienses, mesmo se gregos).

Nos dias correntes, considera-se dialeto qualquer expressão lingüística que não a língua oficial de um país. Um dialeto com freqüência é uma variedade lingüística regional do idioma oficial que ganhou prestígio sócio-econômico – soi disant político e cultural (ah, cultura, quantos crimes se cometem em seu nome!). Mas dialeto também pode ser uma língua sem qualquer parentesco com a língua padrão.

O que faz uma língua ser considerada dialeto – mas isso não é regra absoluta e indiscutível - é a ausência de literatura ou de tradição literária. Por óbvio, o seu não-reconhecimento pelo Estado ou mesmo a sua falta de prestígio – critério extralingüístico, meramente sócio-econômico. Há dialetos que reúnem as três condições, inclusive, porém basta uma delas para que um falar regional seja expurgado enquanto língua!

Em relação à presença de literatura, é preciso lembrar que algumas línguas ágrafas, como as nativas da África e da América, têm rica literatura oral, transmitida por gerações em séculos. No entanto, para as elites brancas ocidentais, ciosas de sua tradição escrita, as línguas ágrafas não possuem literatura simplesmente por não produzirem livros...

Unidade na diversidade

Serafim da Silva Neto insistiu na unidade da língua portuguesa no Brasil, entrevendo as delimitações dialetais espaciais não eram tão marcadoras como, por exemplo, as isoglossas (linhas que demarcam a fronteira de um traço lingüístico) da România Antiga. Entretanto, Paul Teyssier reconhece que na diversidade dos falares essa unidade se rompe.


A realidade, porém, é que as divisões ‘dialetais’ no Brasil são menos geográficas que sócio-culturais. As diferenças na maneira de falar são maiores, num determinado lugar, entre um homem culto e o vizinho analfabeto que entre dois brasileiros do mesmo nível cultural originários de duas regiões distantes uma da outra (1982: 79).

A prática dos estudos sociolingüísticos no Brasil demonstrou que o Português do Brasil é heterogêneo e variável, mas também plural e polarizado. Há dois sistemas heterogêneos: a “norma culta” e a “norma vernácula”, ou Português Brasileiro culto e Português Brasileiro popular – como querem alguns autores

Essa diversidade se fundamenta em condicionamentos de caráter sócio-histórico, haja vista

● o multilingüismo (contacto entre falantes de múltiplas línguas distintas);
● os fatos da demografia histórica;
● a mobilidade populacional dos escravos;
● a escolarização no Brasil, no período colonial e pós-colonial.

O que é uma língua?

O reconhecimento de uma variedade lingüística como língua é questão meramente política, já se disse. Por exemplo, o catalão foi reconhecido pela Espanha como língua oficial, ao lado do castelhano, do galego e do basco, depois de ter sido violentamente reprimido pela ditadura franquista. Em Barcelona, é possível comprar edições bilíngües de periódicos diários como El Periódico de Catalunya, em catalão e espanhol.

O Estado terá sempre que temer. E, justamente por isso, reprimir. O reconhecimento de uma língua é a afirmação de uma nacionalidade.

O ponto nevrálgico é o que diz respeito ao “prestígio” de uma variedade. Alguns falares são estigmatizados por motivos históricos ou sociais. No Brasil, que busca lugar no olimpo do Primeiro Mundo, tudo o que lembre o passado rural é alvo de desprezo. Daí o preconceito contra o dialeto caipira e o nordestino, sagrados como ícones do atraso cultural.

Na tentativa de estabelecer distinção entre língua e dialeto que não se apoiasse em fatores políticos ou sociológicos, alguns buscaram critérios relacionados aos aspectos comunicacionais.

O lingüista romeno Eugenio Coseriu propôs o chamado critério da intercompreensão, segundo o qual dois falares podem ser considerados dialetos da mesma língua se seus falantes conseguem compreender-se mutuamente; caso contrário, teremos duas línguas diferentes.


Fraternalmente desunidos

Os falares se distinguem cada vez mais à medida que nos deslocamos num mesmo território. A comunicação entre moradores de duas aldeias vizinhas pode ser plena, ao passo que a comunicação entre habitantes de cidades distantes milhares de quilômetros é quase impossível.


Língua, língua natural, língua artificial...

Nos próximos cem anos 90% das línguas desaparecerão – os estudiosos o prevêem por dedução lógica. Muitos por não terem o status de idiomas nacionais, sendo em muitos casos línguas ágrafas, de comunidades tribais. A causa dessa destruição em massa de línguas é a constrição dos idiomas ditos de cultura. Nas comunidades tribais da África e da América, o imperialismo lingüístico-cultural branco tem mais um violento aliado: os pregadores religiosos de seitas cristãs fundamentalistas, que combatem não só a fé desses povos, mas também as línguas dos nativos, “coisa do diabo”. Hoje, a língua também é um dialeto com um missionário.

Para alguns lingüistas – e esta parece ser a opinião que prevalece - o português falado em Portugal, no Brasil, em Moçambique, em Angola, na Índia ou na China é uma só língua. As variações ou variantes provêm ora da extensão do léxico, ora da grafia, ora do uso mais ou menos corrente de certas expressões ou estruturas sintáticas, ora da pronúncia, a par da incorporação da influência de outras línguas.

* * *


A Reforma Ortográfica da Língua Portuguesa

Unificação da grafia do português

Unificar a grafia do português nos países lusófonos é antes um gesto político, no qual parece estar o mérito da ação. Encoraja-se a arregimentação em torno de um fator de identidade nacional e um como que “estado de alerta” do vigor do idioma e dos traços comuns entre as culturas que se expressam por meio dele. Isso tende a fazer surgir um maior intercâmbio entre as obras literárias produzidas nesses países.

O português é a terceira língua ocidental mais falada, atrás apenas do inglês e do espanhol.

O filólogo Antônio Houaiss, representante brasileiro durante as negociações com Portugal (que terminaram em 1990), apontara no livro A Nova Ortografia da Língua Portuguesa cerca de 40 mudanças que teriam de ser incorporadas ou à ortografia brasileira ou à portuguesa.

As mudanças, no entanto, dependeram da aprovação do protocolo por Portugal e Cabo Verde. O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa existe desde 1990, mas nunca foi implementado, pois precisava da ratificação de todos os oito membros da CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa). Apenas três deles --Portugal, Brasil e Cabo Verde-- haviam começado a adaptar suas legislações ao acordo.

Para agilizar o processo de reforma da língua, os chefes de Estado da CPLP decidiram, numa reunião de cúpula em meados deste ano, que bastaria a ratificação do acordo por três países para que ele passasse a valer. O protocolo assinado pelo Brasil em 21 de outubro de 2004 permitiu a entrada em vigor do acordo com apenas três ratificações.
Testamento precoce

Monteiro Lobato, num de seus livros da série do Sítio do Pica-Pau Amarelo, atribuiu a Emília a tarefa de fazer uma "reforma da Natureza": coisa de corrigir alguns mal-feitos do Criador, e consertar o que parecia errado aos olhos de retrós de uma boneca de pano. Ele também tentou "consertar o Brasil" várias vezes, chegando até a enfrentar prisão devido algumas de suas sugestões.

Nenhum de nós será preso pela reforma da Língua Portuguesa,

Não sabemos se nossa bela língua irá se beneficiar dessa reforma. Mas ela está aí e será a língua que irá comandar os destinos do nosso país.

Inelutável que já é a reforma ortográfica do português (escrito, ainda bem que só!), leia-se abaixo.

Uma vez unificado, o português auxiliará a inserção dos países que falam a língua na comunidade das nações desenvolvidas, pois algumas publicações deixam de circular internacionalmente porque dependem de "versão". Um dos principais problemas que as novas regras vão acarretar, no entanto, será o custo da reimpressão de livros. (VEJA on LINE, agosto de 2007)

[...]

O português, segundo estudos, é a quinta língua mais falada no mundo – cerca de 210 milhões de pessoas – e tem duas grafias oficiais, o que dificulta o estabelecimento da língua como um dos idiomas oficiais da Organização das Nações Unidas (ONU) . A ortografia-padrão facilitará o intercâmbio cultural entre os países que falam português. Livros, inclusive os científicos, e materiais didáticos poderão circular livremente entre os países, sem necessidade de revisão, como já acontece em países que falam espanhol. Além disso, haverá padronização do ensino de português ao redor do mundo. (IDEM)

Sílvio Elia situava o fenômeno lingüístico entre a cultura e a natureza humana. “As línguas não são objetos naturais de estudo, pois se incluem na investigação não das ciências da natureza e sim na das ciências ditas humanas, ou melhor, culturais. Por isso são de natureza essencialmente histórica” (ELIA, 1993, p.103).
Em muitas e distintas oportunidades rejeita a tese de que a língua de um povo é língua natural e que a língua dos chamados homens cultos é artificial.

Hoje sabemos perfeitamente que nenhuma das duas é produto da natureza, pois que ambas representam realidades ‘culturais’, usado o adjetivo com o valor que tem em Sociologia. (ELIA, 1956, p.43).

Portanto, não há língua melhor que outra, já que cada língua representa a cultura desse povo e não há juízo de valor que possa destruir a especificidade de cada cultura – a língua, sua expressão mais relevante

A partir de 1º de janeiro de 2009 as mudanças começam a valer.


Confira o que muda na Língua Portuguesa no Brasil:


Alfabeto

O alfabeto da língua portuguesa passa a ter 26 letras, com a inclusão oficial do k, w e y.

Acentuação

1. Paroxítonas que perdem o acento agudo

1.1. Com ditongos abertos tônicos éi e ói (como idéia, paranóico).


1.2. Com acento circunflexo no penúltimo o do hiato oo (s) (como vôo, enjôo).

1.3. Cujas vogais tônicas i e u são precedidas de ditongo decrescente (como feiúra, baiúca).

2. Hiatos em ee

▪ perderão o acento circunflexo (como crêem, dêem, lêem, vêem).


3. Palavras homógrafas (com a mesma grafia, mas com pronúncia diferente) (como pára, pêlo, pélo e pólo).


4. Trema

Será totalmente eliminadas das palavras portuguesas ou aportuguesadas (como cinqüenta e tranqüilo).

Única exceção: nomes próprios estrangeiros, como “Müller”.

5. Hífen

Não será mais empregado em prefixos terminados em vogal seguidos de r ou s. Neste caso, dobra-se o r ou o s. Exemplos: antirreligioso, antissocial, minissaia.

Será utilizado com os prefixos hiper-, inter-, super- seguidos de palavras iniciadas por r, como “hiper-resistente”.

Também será utilizado em prefixos terminados em vogal (como ante-, contra, semi-) seguidos de vogal igual ou h no segundo termo. Exemplos: micro-ondas, anti-higiênico e pré-histórico.




● A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) é composta por oito países: Brasil, Portugal, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Timor Leste.

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Obras citadas:
CUNHA, Celso. Em busca de uma norma objetiva. A questão da norma culta brasileira, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1985, 56-57.
ELIA, Sílvio (1956). Fundamentos Historico-Linguisticos Do Português Do Brasil . Rio de Janeiro, Lucerna, 1994.
_________. Língua e herança cultural. A Língua Portuguesa no Mundo. Colóquio. Letras. Livros sobre a Mesa, 120, abr. 1993, p. 196.
SILVA NETO, Serafim da Silva. (1986[1950)]. Introdução ao estudo da língua portuguesa no Brasil. 5. ed. Rio de Janeiro: Presença.
SILVA NETO, Serafim da Silva. (1960). A língua portuguesa no Brasil. Problemas. Rio de Janeiro: Acadêmica.
ROBERTS, I. e KATO, M. (1993) (orgs.). Português Brasileiro: uma viagem diacrônica. Campinas: Editora UNICAMP.
TEYSSIER, Paul. (1982[1980]). História da língua portuguesa. Lisboa: Sá da Costa.


Maria da Conceição Paranhos é formada em Letras, cursou o Bacharelado na Faculdade Santa Úrsula da PUC do Rio de Janeiro, e a Licenciatura, pela Universidade Federal da Bahia. Mestre em Teoria da Literatura pela Universidade Federal da Bahia. Ph.D. pela Universidade da Califórnia, Berkeley.
Ficcionista premiada nacionalmente, no gênero conto, dramaturga, tradutora, poeta, apresenta significativo número de publicações em livros, antologias, revistas e periódicos de modo geral.