sábado, 9 de agosto de 2008

CALENDÁRIO, livro de Márcia Tude



por Goulart Gomes




O que teria levado a poetisa Márcia Tude a dividir o ano em seis partes? Os meses e os signos o divide em doze; as estações, em quatro. Márcia decidiu agrupá-lo aos pares – calendas gregas – talvez por sua natureza geminiana ou germiniana. Este calendário que hoje utilizamos, o devemos aos romanos: Calendas era o primeiro dia do mês daquele povo do Lácio, quando surgia a Lua Nova e seu sinal de renovação. Até então, o mês era o período entre duas luas e a semana era ditada pelas suas quatro fases. Apenas com o imperador Júlio César, 46 anos antes do Cristo, seria adotada a medida solar. Mas as mulheres continuam sendo luas que menstruam, como adverte Elisa Lucinda.

Calendário, o primeiro livro publicado por Márcia Tude, é bimestral em sua essência, cada capítulo agrupando os pares de meses, misturando as estações. A reinvenção desse milenar modo de fatiar o tempo (ajuda-me, Drummond!) concedeu a ela um dos Prêmios Braskem de Cultura e Arte 2008. Calendário já nasceu com a grandeza de um ano inteiro, escorrendo dos dedos de uma poetisa que nada tem de bissexta.

Há vários anos que Márcia tece os seus dias com a linha da poesia, seja como ávida leitora de clássicos e modernos; seja como editora de escritores contemporâneos, nas páginas do jornal Correio da Poesia e na sua recém-nascida editora Livro.com. O ordenamento do seu texto não é incipiente, é instigante, e tudo incomoda a Narciso, não sendo espelho. A sua seleção vocabular é própria do seu tempo e dos seus sentimentos, dlas suas amarguras e paixões: “Toda mulher tem uma rosa ao ventre, brotando ao rés do solo”, ela nos confessa, entre Setembro e Outubro.

Que importa se as folhas caem entre Janeiro e Fevereiro? É outono no outro hemisfério do coração. Março e Abril passam em clima de primavera, com flores no jardim, lareiras imaginárias, cheiro de frutas, vendavais em campos de pluma, vento frio, areia branca e gemidos de sol e sal. “Nada resiste ao mês de abril” e ninguém resiste à força telúrica de Calendário, que tem por títulos dos poemas algarismo... romanos. De Maio a Junho as meninas desfilam, talvez a própria, uma delas, e “os rapazes da praça dão adeus quando ela surge”: Eliot, Yeats, Pound, talvez, os poetas com os quais dialoga.

Os dísticos surgem de Julho a Agosto, versos curtos, intrincados, sintéticos. Todos sabemos que esses não são meses para se pescar. Mas Márcia se aventura ao mar, costura redes para apanhar estrelas, transmuta-se em ninfa, ondina, sereia, tece teias e enreda-se no oceano. Em Setembro e Outubro surge o soneto, “marcante feito o corte da navalha”. Márcia cultua a métrica, mas se permite a liberdade, nos versos e na imaginação.

O ano termina com apenas seis poemas. Novembro e Dezembro: cantos de pardais, frágeis pássaros, uma pomba que arrulha. O livro termina, mas o Tempo, senhor de todos os Destinos, não se acaba. Observem: nunca destacamos a última página da “folhinha”. A cada novo ano o calendário renasce, como renovam-se as nossas noites, Phoenix ressurgindo do fogo da poesia. Bailam sobre as datas, os dias. Surge, em plenilúnio, uma nova poetisa, Márcia em sua pleni-Tude. Nem Júlio, o César, que aprendeu a divinizar o Sol enlevado por sua Cleópatra, jamais imaginaria.