sexta-feira, 22 de agosto de 2008

AO LUAR



Ruy Espinheira Filho





Ao luar, a um dia só da primavera
oficial, eis que ele escuta a hera

densa de amor acariciando os muros,
abraçando-os, possuindo-os, nos escuros

e nos claros da noite. Ao luar e só,
ele sente mover-se, sob o pó

de antigas primaveras e outras luas,
rostos de casas, campos, gestos, ruas

que há muito desertaram os olhos velhos
que hoje o fitam de todos os espelhos.

Ouvindo a hera, as nuvens, o luar
que canta sobre as árvores e o mar

uma branca magia, ele vê, pálido,
sorrir-lhe o sorriso calmo, cálido,

de uma infanta em plena primavera
ao luar e ao som da hera de outra era.

E então, ao luar, enquanto escuta a hera
cantar, a um dia só da primavera

oficial, eis que ele enlaça a infanta
e dança uma mentira meiga e santa

como só sabe ser o que é história
contada nos boleros da memória.


"Ao Luar" pertence ao livro Memória da Chuva (RJ: Nova Fronteira, 1996).