domingo, 11 de outubro de 2009

A TESSITURA DA SEDA (OUTRA VEZ)



Gerana Damulakis
Senti vontade de reler Seda, e aproveitei para colocar aqui uma resenha do tempo em que eu escrevia a coluna Olho Crítico, no jornal Tribuna da Bahia. (Não deixa de ser um treino para voltar a escrever aqui).

Seda (Rocco, 1997) não é apenas o título de um dos volumes de Alessandro Baricco com tradução no Brasil, é a palavra indicadora para definir um estilo original, suave como o toque do tecido. Antes de adentrar o universo deste italiano de Turim, é importante lembrar a existência, na língua portuguesa BR, de outro título de Baricco que foi o ganhador do Prêmio Viareggio e que teve edição pela Iluminuras, em 1997, Oceano Mar. É quase garantido: quem leu o primeiro seguramente não deixou de acompanhar as demais traduções.
Em 1999, a Rocco, que já havia editado Seda, trouxe o escritor ao Brasil para o lançamento de Mundos de vidro. Pela Rocco, ainda saíram os seguintes volumes: Novecentos — Um monólogo, em 2000, e City, em 2002. Em 2007, a Companhia das Letras preparou a nova edição de Seda e o lançamento de Esta história. Em 2008, a edição da novela Sem sangue.
Em Roma, em um teatro, houve a leitura pública de Seda, assistida por mais de 300 pessoas. Pensa-se logo em um silêncio sepulcral e um deleite ímpar, pois que há tanta melodia no ritmo de Baricco, há uma emoção de tal intensidade levantada pela bela história do livro e há, ainda, o choque plasmado no antagonismo de culturas pelo qual passa o protagonista. Seda conta como uma epidemia, em 1861, atingiu a criação dos fiadores europeus e por isso Hervé Joncour, comerciante de ovos de bichos-da-seda se vê obrigado a procurar a mercadoria no Japão. A acompanhante do fornecedor dos ovos, em certa feita, entrega-lhe um bilhete, mas Hervé não entende os caracteres e tem que contratar uma prostituta para saber o que ali está contido: era uma declaração de amor! Mas Hervé é casado e ama a mulher. Na última viagem ao Japão ele recebe uma carta com sete páginas, carta esta que só será decifrada depois que sua esposa morre.
Às vezes alguém escreve primeiro justamente o que se pensava colocar na resenha. Na revista EntreLivros, Paulo Bentancur é igualmente aficcionado pela obra de Baricco e deixa isso muito evidente, inclusive porque vê na reedição de Seda, dez anos depois, uma segunda chance para o “leitor brasileiro acordar”, pois que Alessandro Baricco “é um escritor que precisamos ler com urgência”. Mais adiante ele aponta a construção “meticulosa, o pudor e a exigência formal e estilística”. E atesta sobre a destreza do escritor: “E desliza, linha a linha, com seu ritmo verbal quase doce não fosse tão visceralmente tocante, melancólico — amargo em seus desfechos”.
Também já não é em primeira mão qualquer testemunho sobre a capacidade de Seda de nos levar, durante a leitura, a um estado de suspensão. Indo um pouco mais longe, este estado é o que se espera sempre de um bom livro. Se a literatura é uma escapatória, então, escapamos para o mundo de Seda, para confirmar que a revelação da leitura pode ser de tal ordem avassaladora, que nos surpreenda em demasia, mais do que possamos suportar.
Recomendo: Oceano Mar, Seda, Mundos de Vidro, Sem Sangue. Não recomendo começar Baricco por Esta História.