terça-feira, 7 de abril de 2009

PERSISTÊNCIA DO ESPÍRITO GREGO


Gerana Damulakis



Quando Alfred Nobel estabeleceu em seu testamento, em 1895, cinco prêmios internacionais, o Prêmio Nobel de Literatura rezava que fosse deferido “à pessoa que houvesse produzido, no campo da literatura, a obra mais proeminente de tendência idealística”. Desde então, esta expressão suscita muita discussão. Foi o caso de, por exemplo, e para ficarmos entre os gregos, Níkos Kazantzakis(1883-1957), mais de uma vez indicado para o prêmio sem chegar a alcançá-lo, mesmo que Zorba, o grego tenha obtido êxito mundial, e a Odisséia: uma continuação moderna seja uma obra de fôlego com seus 33.333 versos, sem esquecer o grande número de romances louvados como A última tentação de Cristo, Cristo recrucificado, Liberdade ou morte etc.
Apesar disso, a literatura neo-grega atingiu a validez, a importância e a repercussão universais, conforme atestam os Prêmios Nobel concedidos a dois poetas gregos na segunda metade deste século: Giorgos Seféris, em 1963, e Odisséas Elytis, em 1979, o que de resto consagra também a vitória do demotikí sobre sobre a katharévousa, ou seja, a língua oficial do estado. O demótico dos grandes escritores do século passado e do século XX, desde Solomós, fundador da literatura neo-helênica, até Kazantzákis, Seféris ou Elytis, incluindo Kaváfis, apesar de seus arcaísmos, parece ter ressuscitado a literatura que outrora fora portentosa.
Graças à tradução de José Paulo Paes, sem transcriações mais que ousadas ou inovações tradutórias, temos a oportunidde de conhecer um pouco da poesia neogrega — anteriormente JPP traduziu Kaváfis — com o primeiro Nobel da literatura da Grécia, Giorgos Seféris. Buscando sempre manter a forma e a insinuação do original, e preservando a beleza poética, já que também ele é poeta, José Paulo Paes precede suas traduções com um ensaio crítico elucidativo, plasmando um texto que visa dar um panorama expressivo da obra total.
Giorgos Seféris nasceu em Esmirna em 1900, estudou em Atenas, diplomou-se em Paris e seguiu a carreira diplomática, assim como, desde cedo, foi tomado pelo famoso sentimento de kaimós: uma saudade do passado glorioso da Grécia, ao mesmo tempo uma tristeza em relação ao presente. A obra de Seféris gira em torno do desencanto entre o ser e o não-ser: é o espírito grego que persiste em lembrar o que já foi, embora não possa voltar a existir com igual esplendor; é um impasse sem solução, representado na indiferença com que as estátuas, as ruínas, as pedras e o mar demonstram diante do tempo. Enfim, uma impassibilidade frente à angústia que consome o poeta.
Quando estreou em 1931 com o livro Strofí (Estrofe ou Viragem), Seféris já anunciava uma nova inflexão. Não apenas ele, mas a geração de 30 da revista Tà néa grámmata (Novas Letras), alardeava o novo tom poético com Katsímbalas, Seféris e Karandônis, todos eles de certa forma influenciados pela poesia francesa. O simbolismo e o intelectualismo de Mallarmé e Valéry estão presentes ainda em I Stérna (A Cisterna), livro de 1932. Daí em diante, Seféris encontra sua própria dicção, mais livre, e publica Mythistórima (Romance), em 1935, composto de poemas que “conversam” entre si. É fácil detectar a empatia da poesia do grego com a de Eliot, no entanto, apesar de haver traduzido o americano, é arriscado considerar Seféris como um epígono de Eliot ao lidar com o tema da terra gasta, porque o sentimento de Seféris é tipicamente helênico.
De 1940, o livro Tetrádhion Gymnasmáton (Caderno de Exercícios) traz o poema “A Maneira de G.S.”, iniciais do autor, cujo verso, enfatizado pela repetição, “Para onde quer que eu viaje a Grécia me dói”, diz da sua sensação diante da vida peregrina de diplomata. A tendência em usar da personificação, tal como o Pound das personae ou o Fernando Pessoa dos heterônimos, também invadiu Seféris, que criou Matias Pascal e Strátis Marinheiro, cada qual com suas características.
Mas é no livro Imerológio Katastrômatos (Diário de Bordo I) que está a obra-prima de Seféris, “O rei de Assine”, poema surgido de uma visita do poeta às ruínas da acrópole de Assine, no Sul da Grécia continental. No local, Seféris presenciou a descoberta de uma máscara de ouro e lembrou, tanto que colocou como epígrafe no poema, um verso da Ilíada onde Homero cita Assine. O poema traz de volta a questão do ser ou não-ser, da presença e da ausência, sendo, sem dúvida, dos mais bem logrados. Outro fato interessante a assinalar é o verso de Hölderlin, traduzido para o grego, no Diário de bordo I: “De que servem os poetas num tempo pusilânime?", pergunta respondida por Seféris em O Rei de Assine, quando tenta ressuscitar um tempo passado: assim faz o poeta, essa é sua serventia.
O Diário de bordo II foi publicado em Alexandria no ano de 44, em plena guerra, enquanto um pequeno volume, Tordo, de 1947, é um poemeto singular em torno de um pequeno navio, afundado pelos alemães, conservando certa porção de seus restos na superfície e a outra parte imersa na água, ou seja, excelente metáfora para o poeta versar os dois mundos, o claro e o escuro, a luz e as trevas.
Libertada a Grécia em 1945, Seféris volta para Atenas para chefiar o gabinete do governo Damaskinos e logo simpatiza com a causa de Chipre pela independência. Já em 1957, como embaixador grego na Grã-Bretanha, atua contra a ocupação britânica da Ilha de Chipre: é no poema “Helena”, do Diário de bordo III, que transparece a opinião do poeta em relação a conflitos por ideais incongruentes quando, usando como epígrafe a fala que Eurípedes concede a Helena, “Não estive em Tróia; aquela era um fantasma”, Seféris, mostra o absurdo de uma guerra travada por “uma túnica vazia”.
Em 1962, o poeta retorna definitivamente para Atenas. Traduzido para o inglês em livro intitulado pelo poema maior O Rei de Assine, ganhou o prêmio Foyle e despertou a atenção da Academia Sueca. Antes de morrer, em 1971, publicou Três Poemas Secretos (1966), além dos seus ensaios: Diálogos páno stín poiísis (Diálogos sobre a poesia, 1938); Erotócritos, 1946; Dokimés, 1948-62 (Ensaios).
De cada um dos livros de poesia, José Paulo Paes escolheu alguns poemas para formarmos uma idéia do melhor Seféris. Concluímos deste Poemas — Giorgos Seféris, seleção, tradução, introdução e notas de José Paulo Paes, Editora Nova Alexandria, São Paulo, 1995, que o poeta grego foi um vate universal que, tratando da angústia dos gregos, tratou da angústia de todos nós: o desencanto metafísico entre o ser e o não-ser.

Ensaio do livro O rio e a ponte - À margem de leituras escolhidas, da Coleção Selo Editorial Letras da Bahia.