segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

PRIMEIRA CANÇÃO ÚLTIMA

Manuel Anastácio


Guardo o desejo
De te guardar,
Como te fazes lembrar no resplendor das cinzas
Sobre o espelho esquecimento do terror das águas,
Na memória dos mortos que nos limitam a respiração
A um frio arrepio de esperança
Disfarçado de canção.
Esquecido será já o teu sorriso sob o escuro musgo do
paraíso,
E continuaremos a sonhar com árvores, crepúsculos,
Com o teu cheiro a tangerina,
E com o arco abaunilhado dos teus olhos
No negro inconformado de um reflexo de quitina.
Como um milagre de inverno rescenderás
A rosas e a pão quente
E verás em mim
Aquele que o abraço da terra vence,
Ao, somente, respirar.
Abraçar-me-ás em terno silêncio, sem que mais pense,
E poderei, por fim, em ti ,descansar.



Manuel Anastácio assina o blog Da Condição Humana (http://literaturas.blogs.sapo.pt/). Foto "Cataratas do Iguaçu", Paraná, Brasil, de Ricardo Kuehn, retirada do Flickr.