domingo, 11 de abril de 2010

OS POEMAS FORA DAS GAVETAS

Gerana Damulakis

A escritora Gláucia Lemos comemorou os 30 anos de sua literatura. A festa foi linda. E gostosa, tudo saborosíssimo, um jantar digno dos deuses do Olimpo. Além de sua família tão cheia de amor, seus amigos de várias esferas da vida e seus amigos escritores. Como lembrança da noite, ela ofereceu um exemplar para cada convidado do seu 34º título, Trilha de Ausências, trazendo poemas (alguns foram publicados aqui no Leitora ao longo desses 3 anos de existência do blog). Gláucia é romancista premiada, contista, cronista e autora de uma gama de títulos de literatura infantil. A poesia vem de longa data, mas apenas agora saiu das gavetas e ganhou o livro.

AS GAVETAS

--------------Gláucia Lemos

Deixa que se conservem as gavetas

doidas e embaraçadas

como endoidecem em pequenez as minhas horas.

Papéis como asas caídas

de mariposas tontas,

molestadas de luz.

As gavetas precisam parecer

fragmentos esparsos de recordações

limpas ou sujas.

Como pragas misturadas a orações,

ou aleluias e remorsos revelados nos diários.

Precisam desbotar em pó e ácaros

tantos cartões e endereços,

passaportes para a maldição do esquecimento.



Não se devem arrumar as gavetas,

ajustar contas antigas, retificar agendas.

Para que se embebedar no caldeirão da bruxa?

Para que costurar velhos farrapos?

Deixa que se assentem no fundo

os pós dos infortúnios disfarçados em rímel e batom.

Deixa que transbordem nas gavetas os sobejos guardados

que podem envenenar pelas lembranças

e até podem doer.



Ilustração: Calendar of Yesterday's Wishes, de Rafal Olbinski, 2008.