domingo, 3 de janeiro de 2010

ESTRELA DE ANA BRASILA


Gerana Damulakis

A Coleção Cartas Bahianas brilhou em 2009. Não, não listarei os títulos, nem revelarei a melhor novela da coleção, nem direi dos contistas da coleção que me surpreenderam, nem os poetas citarei. Porque também não irei me deter nos Continhos para cão dormir (P55 Edições, 2009), igualmente da coleção, escrito por Maria Guimarães Sampaio. Mas, vale alertar, não escreverei sobre o livro citado por uma razão: desta coleção, me fixei nos títulos que trouxeram poemas e, como exceção, escrevi sobre a novela de Állex Leilla, O sol que a chuva apagou - creio que foi o único livro de prosa para o qual teci uma espécie de resenha, já que acompanho a produção de Állex desde seu primeiro livro, depois resenhei seu romance na minha coluna do jornal A Tarde e continuo seguindo com muita atenção, repito, suas realizações literárias.

No entanto, poderia ter escrito sobre o livro de Maria, não fosse a posição de seguir apenas os poetas, pois Continhos para cão dormir traz mini-contos, como prefiro chamar, que suscitam as mais variadas emoções; com eles o leitor ri, se entristece, se espanta, se solidariza com a dor e, por fim, Tieta morre: mais emoção com o peculiar modo de escrever da autora.

E é este modo de dizer, o “como dizer”, a maior personagem do romance de Maria Sampaio, Estrela de Ana Brasila – estória sem compromisso com verdade nenhuma, nem bicho, nem planta, nem gente, nem lugar, nem tempo – e nem falares (Record, 2004). Mais do que sabido, em literatura não importa o que se conta, mas como se conta. Maria conta e como conta! Com isso, quero dizer que a história guardada neste romance é uma história que importa, assim como importa a maneira como ela é contada.

Viajamos no tempo com Branca Marana, mulher típica do século XX, se libertando de amarras que oprimiam o sexo frágil. De um capítulo para o outro, estamos no tempo das senzalas e o romance vai ganhando força, surge a mãe da personagem do título, Ana Brasila, surge Prudença, surgem seus amores, surge Estrela de Ana Brasila, surge Frutuoso, surge Brianda, elas também vão tendo seus filhos, surgem muitos personagens: é um mundo criado nessa volta do tempo, um mundo onde habitam os índios, os negros, os brancos e, sem exagerar, onde surge o brasileiro e a brasileira, frutos dessa mistura – não é sem razão que Ana é Ana Brasila.

Não vou buscar influências literárias para a obra de Maria, registro tão somente que não há como não lembrar de Guimarães Rosa, embora a linguagem que a escritora apresenta seja totalmente de acordo com seus personagens e não com os personagens de Rosa. A lembrança, portanto, fica restrita apenas ao fato de Rosa ser um escritor que simboliza tal atitude literária. Outra lembrança também ocorreu, não por encontrar influência da obra que citarei sobre Estrela de Ana Brasila, mas por construir uma saga, elencar personagens vários: a lembrança foi a da leitura de Cem anos de solidão, de García Márquez. São, todavia, pontes que o leitor gosta de fazer.

O romance de Maria Sampaio cria um mundo, com seu tempo, ou melhor, seus tempos, sua história muito bem contada. Original, plena de sentimentos, acompanhando as circunstâncias das vidas, a obra é rica, envolvente, dá vontade de aplaudir e, no final, com os cães Merlin e Tieta (sim, Tieta que acaba morrendo em Continhos para cão dormir), Maria ainda arranca um sorrisinho do leitor quando Branca Marana (voltamos para ela) passa por Moreno e, bem depois, em casa, reconhece que era ele. Redondo, o romance termina. Bravo!