domingo, 20 de dezembro de 2009

GRANDE OZ

Gerana Damulakis


A aldeia centenária de Israel, a “antiga e sonolenta” Tel Ilan, é o palco de Cenas da vida na aldeia (Companhia das Letras, 2009) do escritor israelense Amós Oz, com tradução do hebraico de Paulo Geiger.

Num período entre o fim do verão e o início do inverno, as histórias acontecem. O leitor vai percebendo que os personagens passeiam: se focados em certo conto, aparecem em outro, só que, desta feita, apenas como um “figurante”. Mas, claro, a aldeia é a mesma, os moradores são poucos e se encontram, se cruzam.

O palco, a aldeia, não se ausenta das narrativas, não apenas por conta das belas pinceladas com as quais Oz coloca o leitor para sentir o feérico calor da tarde, por exemplo, ou a chuva fina que acompanha a médica voltando para casa (imagem de um dos mais belos textos), mas porque a aldeia é a guardadora daquelas vidas e suas cenas.

São oito cenas com títulos sugestivos: “Os que herdam”, “Os que esperam”, “Os que perdem” etc. Como são independentes, os textos podem ser lidos em qualquer ordem, mas estão interligados pela aldeia - o espaço –, pelo calor e pela chuva de certa época - o tempo – e pelos personagens.

No conto “Os que cavam”, um jovem árabe vive na casa de um pai com sua filha. O pai é um homem idoso, ex-deputado, Pessach Kedem, enquanto a filha é uma quarentona viúva, Rachel, dedicada ao pai e que pensa, no desespero de sua vida vazia e já entrando no outono da existência, que deveria ter coragem e ir embora dali. O pai sempre sente que ela está pensando em outra possibilidade de vida e joga-lhe na cara que ela torce para que ele morra. O árabe Adel vive com eles, conserta algumas coisas da casa, em troca de moradia, e é visado pelo velho como um inimigo em potencial. Eles conversam sobre a origem da tristeza humana num momento magnífico.

Meu preferido, contudo, foi o conto “Os que são próximos”, com imagens tão profundas que convencem totalmente sobre o heroísmo do simples viver: a médica Guili Steiner vai buscar seu sobrinho que chegará no ônibus vindo da capital, mas ele não aparece; em casa, antes de ir para o ponto do ônibus, ela, uma mulher solitária, deixou o peixe e as batatas no forno, a cama do rapaz sendo aquecida, a luz da sala num tom bem aconchegante, mas passa a noite pensando que o sobrinho desceu na parada errada, ou dormiu e continua dentro do ônibus. Ela vai até a casa do motorista, entram e procuram o rapaz nos bancos do ônibus, encontram um casaco, ela segue para casa com o casaco nas mãos, tecendo mais alternativas para o ocorrido. A intensidade do conto é algo que apenas um grande escritor consegue plasmar.

Amós Oz estava na lista de apostas para ser vencedor do Prêmio Nobel de 2009. Há vários títulos editados pela Companhia das Letras. Li o belíssimo De amor e trevas (2005), De repente, nas profundezas do bosque (2007) e, no ano passado, Rimas da vida e da morte (2008). Posso sentir, depois deste tanto de leitura,e mais ainda depois da leitura de Cenas..., que Oz prefere a história do cotidiano e suas pequenas grandes tragédias. Com relação a estes contos e suas pontes, tal edificação parece trazer a intenção de uma homenagem a Winesburg, Ohio, de Sherwood Anderson, uma admiração de Amós Oz.

Nascido em Jerusalém, em 1939, Oz é considerado um dos melhores escritores israelenses da atualidade. Sua obra já foi traduzida para mais de 22 línguas. Mora em Arad, no deserto de Neguev, e leciona literatura hebraica na Universidade Ben-Gurion.