sábado, 5 de junho de 2010

SONHOS DOURADOS

Gerana Damulakis

O soneto “Essa que eu hei de amar…”, de Guilherme de Almeida (1890 – 1969), é um poema que, apesar de belo e melódico, me interessa mais pelo conteúdo. Transcendendo a leitura imediata, a voz lírica vai além do exemplo, ou seja, um sonhador que idealiza a mulher amada, mas idealizou tanto que ela passou por ele e ele não percebeu, preso que estava ao sonho, à ilusão. Levar o conteúdo do poema para a vastidão dos nossos desejos, não apenas os amorosos, mas desejos outros, desejos vários, pode mostrar, ou lembrar, a quantidade de vezes que as oportunidades são perdidas porque a ilusão cegou a visão da realidade.

ESSA QUE EU HEI DE AMAR...

-------------------Guilherme de Almeida

Essa que eu hei de amar perdidamente um dia,
será tão loura, e clara, e vagarosa, e bela,
que eu pensarei que é o sol que vem, pela janela,
trazer luz e calor a essa alma escura e fria.

E, quando ela passar, tudo o que eu não sentia
da vida há de acordar no coração, que vela…
E ela irá como o sol, e eu irei atrás dela
como sombra feliz… — Tudo isso eu me dizia,

quando alguém me chamou. Olhei: um vulto louro,
e claro, e vagaroso, e belo, na luz de ouro
do poente, me dizia adeus, como um sol triste…

E falou-me de longe: "Eu passei a teu lado,
mas ias tão perdido em teu sonho dourado,
meu pobre sonhador, que nem sequer me viste!"


Ilustração: Edward Hopper (1882-1967), Room in New York (1932).