quarta-feira, 29 de abril de 2009

DE COMO ME APAIXONO POR VIAS ESTRANHAS


Gerana Damulakis


Quando se tem uma obsessão tal como a literatura, a mente guarda versos, estrofes, frases, parágrafos. Aramis Ribeiro Costa sabe poemas inteiros. Uma tarde, na Academia de Letras da Bahia, eu estava conversando com ele, já havíamos conversado algumas vezes, só que nesta tarde, neste evento, conversamos sobre poetas e ele disse um soneto inteiro de Vicente de Carvalho, era um da série "Velho Tema". Aquilo bateu dentro de mim e, confesso, foi assim que me apaixonei. Já viu alguém se apaixonar por conta do outro dizer um soneto inteiro? Só comigo mesmo. Durante todos os anos que se seguiram, ele, volta e meia, está me dizendo algum poema. Vai mais longe: sabe todo o começo de Iracema, de José de Alencar. E diálogos inteiros de Os três mosqueteiros, de Dumas, sendo ele Aramis... É coisa de gente que tem memória, claro!
Eu insistia, quase como uma mania, em dizer que não tenho memória porque meu pai me ensinou a não decorar. Explico: meu pai me ensinava matemática e física e me ensinou de modo a chegar até as fórmulas por dedução lógica, não por decoreba. Assim, Trabalho é igual a Força vezes o Deslocamento (distância). Imagine o trabalho para arrastar uma mala: você coloca força para deslocar a mala (tirá-la da inércia, certo?) e multiplica pela distância que ela será deslocada, óbvio. Foi desta forma que me apaixonei (reparem, hoje estou muito apaixonada!) pela física, pela matemática, pela química. Ao longo de todos os anos, havia a literatura (sempre houve), que mexia com “o lado esquerdo do meu peito”. Lia os clássicos, devorava os contemporâneos, a biblioteca da minha casa era enorme, tinha o tio jornalista e escritor, o gosto próprio pela coisa toda, eu escrevia muito (quantos poemas!)...; no entanto, na hora do vestibular, eu não poderia decepcionar meu amor maior, meu deus na terra e, pronto: área 1 na cabeça, a criatura que era o máximo nas exatas no Colégio Marista, simplesmente entrou em Química, na Universidade Federal da Bahia. E continuou sem decorar. Irmão Aquiles, na época era o diretor, me chamou e vaticinou que eu iria errar de profissão porque eu escrevia no jornal do Marista, era elogiada nas redações, coisas assim. Minha mãe conta que Viana Moog leu um poema meu (uma criança) e disse que eu seria uma grande poeta. Este, sim, errou feio!
Entregue, enfim, ao mundo da literatura, não sem antes ainda fazer uma pós em Química, comecei a admirar quem sabe decorar poesia ou prosa ou ambas. E, hoje, com tanta estrada no mundo da literatura e minha única vaidade, que é o excesso de leitura e conhecimento disso a ponto de realmente saber identificar o texto verdadeiramente literário - hoje, repito, filha sem pai vivo, quase sinto que estou traindo meu deus, meu amor maior, porque decoro facilmente os versos, as estrofes, o começo de alguns romances. Todavia sei resolver qualquer problema de matemática sem precisar de papel e lápis, viu pai?

Foto -para os amantes da química:), de coy:], retirada do Flickr.

terça-feira, 28 de abril de 2009

A TRILOGIA BRASIL DE ANTÔNIO TORRES



Gerana Damulakis




Sou repetitiva, talvez seja uma espécie de TOC, mas o certo é que sempre volto a falar, a escrever, a discutir sobre determinados escritores, apesar do meu outro lado, ou seja, o que adora buscar, encontrar e admirar novos autores. Há, no entanto, os que sentam em cadeira cativa. A minha relação com a literatura criou uma ponte que chega, sem dúvida, ao coração. Então, só por conta do encontro de sábado com Antônio Torres, escritor que tem a minha admiração e o meu afeto, volto a escrever sobre seu mais recente romance, Pelo fundo da agulha.
Pelo fundo da agulha (Record, 2006) vem fechar a trilogia iniciada com o romance Essa terra, de 1976, hoje já definitivamente consagrado com várias reedições e traduções. Passados 20 anos surgiu O cachorro e o lobo, retomando a vida do personagem Totonhim numa volta ao sertão, partindo de São Paulo, para onde fora no final de Essa terra.
No total são 30 anos, de Essa terra até Pelo fundo da agulha, de Totonhim menino e rapaz, que deixa o Junco baiano — hoje Sátiro Dias — rumo a São Paulo, até o bancário aposentado Antão Filho, ou seja, o idoso Totonhim. Tantas foram as tragédias: a ida do irmão Nelo em busca do sul maravilha e sua volta de malas vazias e seu suicídio como redenção pelo pecado de não ter vencido; a loucura da mãe com a perda do filho; a solidão do pai; a viagem de Totonhim, também para fazer uma vida fora do sertão; o retorno de Totonhim, apenas como uma visita, mas que faz o pai temer mais um suicídio; a constatação da velhice da mãe que, apesar da vida sofrida e de uma insanidade temporária, ainda é capaz de enfiar a linha pelo buraco de uma agulha. Mas Totonhim não é Nelo, não há sina registrada e, então, vem o retorno que se dá como quem passa a vida a limpo: em São Paulo, deitado, o aposentado vai relembrando. Separado da mulher e dos filhos, conta com uma vida inteira que, enfim, pode receber um ponto final.
Pelo fundo da agulha já encontra o personagem assim, com a vida feita e refazendo o caminho através da memória, pois chega a hora de, sem sair do lugar, passar os fatos e as sensações pelo túnel do tempo. O romance leva o leitor nessa viagem de uma forma tão envolvente que, se este mesmo leitor não tiver lido Essa terra e O cachorro e o lobo, seguramente irá em busca deles. É irresistível, inclusive, uma releitura dos livros anteriores, pois queremos mais, sempre mais, após fechar o volume Pelo fundo da agulha.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

NOTÍCIAS DA BLOGOSFERA


No blog Blag, Nilson Pedro escreveu um excelente texto: "O curioso caso de Susan Boyle". Imperdível!


Diogo Borges participou de uma roda de poesia bem interessante no Rio e enviou e-mail: "obviamente, falei alguns sonetos de Sosígenes Costa e - acredite - o poema "O Dourado Papiro" na íntegra! Todos ficaram encantados e eu admirado em descobrir que absolutamente ninguém conhecia o poeta". Ele, Diogo, está tratando de mudar isso, divulgando o poeta grego da Bahia.


Para ter uma sensação boa de leveza: o 1º vídeo que o poeta Manuel Anastácio, do blog Da Condição Humana, coloca no Youtube: "Flocos de algodão dos choupos de Guimarães", para mostrar "fragmento de primavera" em Portugal. Basta clicar.

http://www.youtube.com/watch?v=4g0DMz3g-QY

Foto de Susan Boyle, retirada do Flickr, de Bert Kommerij.

domingo, 26 de abril de 2009

RESUMO




Gerana Damulakis

Estive apenas duas vezes na 9ª Bienal do Livro. Ambas no Café Literário. Passei pela Arena e vi Frei Betto, depois vi Ruy Castro, mas não havia tempo para assistir. Deliciosos foram os encontros com tanta gente: Myriam Fraga, Ruy Espinheira Filho, Maria da Paixão, Lima Trindade, Lázaro, Bernardo Linhares, Mayrant Gallo, José Inácio Vieira de Melo, Carlos Barbosa, Terezinha, Érica, Ana Bárbara Sousa e sua linda filhinha, Álvaro e Lícia, Pedro (do blog Primeira Necessidade), Bernardinho. E, surpresa, conheci Marcus Gusmão, do blog Licuri, e Soraya; os dois são muito simpáticos. No dia das poetas Kátia Borges e Mônica Menezes (fotos), o tema foi: Trazer a intimidade para a literatura é um desafio? Ambas debateram a questão e os respectivos pontos de vista eram, muitas vezes, diferentes, como são, desde logo, seus poemas; o que, de saída, enriquece a própria literatura. No sábado, a questão foi: Qual a diferença entre fazer um conto e um romance? Antônio Torres, Aramis Ribeiro Costa e Carlos Ribeiro (foto) falaram das facilidades e dificuldades quando da feitura de um texto em cada gênero. Para Torres, o conto exige maior esforço de produção. Aramis enfatizou que cada história pede por determinado gênero. Carlos confessou que se sente mais solto ao tecer um romance.
Fotos retiradas do site da Bienal: www.bienaldolivrobahia.com.br/

sábado, 25 de abril de 2009

TORRES, ARAMIS E CARLOS: CAFÉ LITERÁRIO





CONTO E ROMANCE SÃO TEMAS DE CAFÉ LITERÁRIO

Os escritores Antonio Torres, Aramis Ribeiro Costa e Carlos Ribeiro participarão, neste sábado, 25 DE ABRIL, às 20 HORAS, (http://www.bienaldolivrobahia.com.br/), do CAFÉ LITERÁRIO da IX BIENAL DO LIVRO DA BAHIA, sobre o tema "Qual a diferença entre fazer um conto e um romance?"

Após o Café, Carlos Ribeiro lançará o seu novo livro: À LUZ DAS NARRATIVAS: ESCRITOS SOBRE OBRAS E AUTORES, publicado pela Editora da Universidade Federal da Bahia / Edufba.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

quarta-feira, 22 de abril de 2009

A CAÇA É DO CAÇADOR

Gerana Damulakis

Saia justa, decote em V na blusinha fina, que deixava evidente os bicos dos seios, sapatos com saltos altos porque não há coisa mais sem sal do que mulher de sandálias de dedo rasteiras, e um bonito batom para realçar seus lábios. Pronta! Pronta para caçar, literalmente. Os homens são caçados e não percebem isto, pensam o contrário, coitados. Perigosa e enganada. Ela, quando resolve, ataca, e não há santo que resista. O melhor de tudo é a conquista, atrair a caça pelo perfume sensual, pelos gestos sedutores e pelo olhar. O olhar diz tanto: “Venha, pode vir, prometo o céu”.
E ela foi para a balada. Quando chegava, todos iam dizer um oi, trocar uma idéia, elogiar o visual, quanta leveza. A alegria é leve, é? Ela dizia que sim. Madonna e seu tic tac tic tac em "4 minutes", o corpo embalado, a cabeça no ritmo do corpo, a vida é uma festa, não apenas Paris. Que garota bacana, ele pensou. Só que ele não era do bem, a cabeça não acompanhava o ritmo do corpo, a leveza só chegava depois de muita birita e outras “cositas” mais. Um cara assim destrói. Tocaram "Closer", gostava de Ne-Yo. Pegou a bela da noite e fez charme, com chapéu maneiro na cabeça. Ela ficou encantada. A galera avisou, ele é do mal. Que beijo, que pegada, os dois juntos a noite inteira, valia tudo, depois 4 paredes, sabe como é. Quem era o caçador agora?
Cadê? Na noite seguinte, ela procurava por ele. Está em outra, não veio. Não ia ficar triste, sua maneira de viver levava em conta o inesperado e não o repetitivo, então... Será? Será que não esqueceria aquele beijo que tocava a alma e o par de olhos da cor do mar, ou do céu de verão. Olhos de Daniel Craig. É amanhã, com certeza! A noite é para dançar, o vestido está brilhante, ela parece uma bonequinha de luxo e de madrugada comerá pletzel e segurará um café em frente aos valiosos diamantes da joalheria. Prefere a cravação inglesa e não admira a lapidação brilhante, tem gente que pensa que diamante é uma pedra e brilhante é outra. Queria um diamante do tamanho do Ritz. Eu sei tudo, eu sou do bem, eu sou fashion e mereço o mundo aos meus pés.
De dia, o caçador tinha apenas os próprios pés no chão, amanhecia metamorfoseado e partia on the road.

DE POETA PARA POETA


terça-feira, 21 de abril de 2009

DA INDIGNIDADE DO POUCO


Gláucia Lemos


O que escolhes ser, que o sejas muito. Não te bastes com migalha da tua possibilidade. Não te envergonhes da tua ambição de ser e de sentir.
Se és bom, não te satisfaça apenas ser bom, sê generoso. Sê bom também contigo. Perdoa teus próprios erros e vacilações com igual grandeza tal aquela com a qual perdoas os erros dos teus semelhantes. Haja bondade na atmosfera de todo o teu percurso, despreocupado de retribuição, porque escolheste ser bom, muito bom, sem motivo, e hás de ser bom, tão bom quanto os melhores, para que não te humilhes à mediocridade. Somente porque é bom ser bom sem troco. Mas não aceites a mediocridade na tua escolha. Vê que pior do que não ser, é ser medíocre, ser perdido na insignificância da turba. Sê muito mais, em tudo aquilo que assumires.
Se és alegre, sê mais que alegre, sê contente, sê irradiante, sê feliz. Explora todo o teu potencial de alegria e gozo, engalana e badala sinos à tua festa, já que, quando fores triste, serás muito triste, irás a toda a profundidade da tua tristeza, escolheste a tristeza, deverás vivê-la total e plenamente, que não sobre espaço em ti que se negue a teu desalento. Nada fiques devendo à tua dor. Tudo o que fores, sê sempre muito. Não vivas nada pela metade.
Quando amares, ama inteiramente, ama com toda a alma e com as tuas entranhas. Supera todos os limites postos por Deus e pela humanidade para os teus sentimentos. Ama sem perguntas e sem cuidados, doa-te ao estado de amor e vive-o com toda a tua respiração. Com paixão e desespero, com ímpetos ridículos de subir ao Morro do Pai Inácio e bradar às galáxias que estás apaixonado, e seres capaz de beber sal e comeres erva daninha para provar o ter amor. Não ama simplesmente, é pouco, ama muito! Pois quando o amor deixar de ser, ou de estar, hás de chorar e substitui-lo em ti por uma saudade que precisarás sentir maiúscula. Entrega-te para que a saudade seja muita. Que te leve o sono, que te feche a boca, que te consuma as horas e as carnes e te faça escrever infinidade de versos horríveis e molhados. Chora todas as lágrimas que tiveres até sentires o cansaço da tua própria saudade e dores no osso frontal, mas chora muito, exageradamente, para não te deteres na metade da saudade que escolheste sentir. Sê muito, assim deves ser.
Quando precisares esquecer alguém, um amigo, um amor, um hipócrita, um traidor, faze-o como quem passa o aspirador no cantinho mais escondido, naquele cantinho atrás da estante mais pesada, onde as formigas costumam se esconder das vassouradas. Deixa-o limpo. Esquece muito e sempre. Esquece todas as borboletas e também esquece todos os escorpiões que recebeste. Não permitas fragmentos de lembranças que te façam sentir medíocre na tua assunção ao esquecimento. Esquece nomes, endereços, números, palavras, sons de vozes e melodias, gestos e gentilezas e mágoas, tudo. Nunca esqueças um pouquinho, ou lembres de vez em quando, é pouco, esquece muito e profundamente.
E até se preferires ser louco, sê completo, não te conformes com ser mero idiota. Os idiotas são enfadonhos. Escolheste a loucura, sê logo o rei dos loucos, não um simulacro. Nada de ser mais um Napoleão de manicômio, mais um faraó de carnaval. Sê logo Nero. Toca fogo no universo e sê aquele que escolheu as conseqüências da revolução dos tempos, e do final da sua própria existência, o resultado da tua escolha. Mas sê muito em tudo. No ser e no sentir. Pouco é indigno de ti. Pouco é um pedregulho que se atira ao rio, vai até o fundo e lá fica. Nem ao menos acompanha a viagem das águas para onde forem. Vai criar limo verde e lodo negro, e ter sempre a insignificância dos que se finam insignificantes.
Mas se escolhes ser santo, não sejas menos. Sê santo honestamente, impermeável à profanação e à hipocrisia. Muito santo. De jejuns e flagelações. Santo de castidade e morte em cruz. Sem mais-ou-menos. Completo e inteiro. Santo de penitência, vigília e adoração, de sono em catre e beijo em pestilentos, portanto, muito santo. Santo de humildade e de coragem de permanecer muito santo diante dos homens de punhais nas mãos e nas línguas. Muito santo, ainda quando tiveres no teu peito encravada uma bala perdida. Sê santo além dos comuns, acima dos medíocres.
Se possível, escolhe bem o que ser e o que sentir, escolhe muito, e sê, e sente, intensamente, nunca te confundas com o meio-termo. Cuida de escolher muito para que tua escolha não se volte contra ti. Mas não fiques devendo nada a ti mesmo, nem a teu coração, nem à tua vida. Cumpre tudo o que escolheste, inteiro e intensamente, e sem resquícios a te arrastar atrás.
Só os que se fazem muito, e riem muito e sofrem muito, vivem, e estarão prontos para o fim do seu próprio tempo sem a indignidade de se terem deixado ser pouco e sentir porções minguadas do que lhes cabia. Liberados das suas próprias cobranças. Quites consigo mesmos.



Gláucia Lemos é autora de 33 títulos. Seu livro de crônicas nascido aqui, no Leitora, começa a se tornar realidade.

Foto: Morro do Pai Inácio (Chapada Diamantina, Bahia), por Caetano Lacerda, retirada do Flickr.

21 DE ABRIL DE 1960: BRASIL, A CAPITAL É BRASÍLIA


Gerana Damulakis

Há várias belezas que podem representar Brasília, a capital da República Federativa do Brasil. O plano urbanístico, Plano Piloto, foi elaborado por Lúcio Costa, e hoje é Patrimônio Mundial da Unesco. O arquiteto Oscar Niemeyer projetou os principais prédios públicos da cidade. Escolhi, como referências, a Catedral de Brasília (as colunas lembram mãos postas em prece, lindo!) e o Palácio da Alvorada (ambas as fotos acima). Uma cidade planejada, com o traçado de um avião e endereços esquisitos, tais como Asa Norte e Asa Sul; tudo bem interessante.
Inaugurada em 21 de abril de 1960 pelo presidente Juscelino Kubitschek, JK, Brasília é a terceira capital do Brasil, após Salvador e Rio de Janeiro.
Quando eu era pequena e aprendi que um tal Marquês de Pombal mudou a capital do Brasil, de Salvador para o Rio de Janeiro, lembro que fiquei com muita raiva do primeiro-ministro português. E levei este "bairrismo" vida afora. Afinal, quando a Corte chegou em 1808, fez da então capital, o Rio de Janeiro, a capital do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Tivesse Salvador permanecido na sua condição, pensava eu, e teríamos as belezas e riquezas situadas no Rio, tais como: a Biblioteca Nacional, o Teatro Municipal, o Jardim Botânico...
Tudo por culpa do Marquês de Pombal!!! Quem souber a razão da briga entre o Marquês e o governador, a qual motivou a mudança da sede da administração colonial do Brasil, da Cidade do São Salvador da Bahia de Todos os Santos para o Rio, escreva um comentário.
Mas, vai longe o tempo de Salvador, capital do Brasil, e do Rio de Janeiro, capital do Brasil.
É aniversário da capital do Brasil. Parabéns para Brasília. Parabéns para os candangos.

domingo, 19 de abril de 2009

DOIS ESCRITORES AMIGOS: TEZZA E RUY


Gerana Damulakis

Faz bastante tempo que venho seguindo a literatura de Cristovão Tezza. Comecei com o romance A suavidade do vento, que comprei após ler a quarta capa, sem ter sido indicado por alguém, ou por alguma resenha. Até hoje, lidos mais 11 livros de Tezza, não esqueço a sensação do primeiro, embora Juliano Pavollini e Trapo, ou O fotógrafo tenham sido também muito marcantes.
Creio que mesmo com o excesso de leitura, jamais me sairá da memória a história de A suavidade do vento: Josilei Maria Matôzo, tímido professor de português, radicado em uma pequena cidade do interior do Paraná, escreve um livro... a solidão é quase palpável... lembro dele andando pela rua... Se eu ficar velha, farei releituras e A suavidade... será uma delas. No momento, ainda tenho muito para ler e, tomara, muitos livros de Cristovão Tezza que todavia serão escritos.
Quando Tezza e sua mulher estiveram aqui em Salvador, eu e Ruy Espinheira Filho já éramos seus leitores e fãs. Adoramos conhecer o casal. Eu, sempre grande admiradora de quem é o que eu gostaria de ser, não poupei tapete vermelho e tirei o chapéu para o escritor. No ano passado, Cristovão Tezza arrebanhou cinco prêmios literários por seu romance O filho eterno. O Leitora fez uma homenagem aqui no final de 2008. Retorno hoje a lembrar de Tezza, porque, conversando com Ruy, soube que ambos seguem lendo um ao outro, a cada vez que um novo livro é lançado. Como Ruy lançou recentemente os romances Um rio corre na lua e De paixões e de vampiros, recebeu e-mails de Tezza elogiando a engenhosa história de Um rio.... Pedi a Ruy que me enviasse os e-mails porque adoro participar destas trocas. Foram e-mails que testemunham a admiração e o respeito que os dois têm pelas suas pessoas e pelas suas produções. Tezza sentiu o prazer da leitura do livro de Ruy, que leu de uma sentada.
E assim vai acontecendo o delicioso mundo das leituras, das impressões, das trocas e, também da criação de um mundo onde parece que apenas nós, escritores e leitores, habitamos.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

O SOL QUE A CHUVA APAGOU

Gerana Damulakis

Ao ler um livro eu quero ouvir, ver, eu quero sentir o que estou lendo. Montar as cenas no meu imaginário, enfim. Aramis Ribeiro Costa, ficcionista de longa estrada, diz que isto é o mínimo que se pode esperar de um verdadeiro escritor. Muito bem! Afinal, lembrando Ricardo Piglia, escritor argentino que também levanta a minha admiração, quando disse que o escritor é o resultado de tudo que viu, ouviu e leu, o esperado seria realmente fazer o leitor também ver, ouvir e, creio eu, identificar as influências (ou confluências, como dizia Mario Quintana) do respectivo autor.
Mas acabei enveredando por onde não desejava. Voltando ao desejo inicial, portanto: ao ler O sol que a chuva apagou (P55 Edições, 2009), da Coleção Cartas Bahianas, entrei imediatamente na história de Állex Leilla. E que prazer! A novela conta uma história de amor; melhor, de paixão. Conta o caminho até a sua realização, até o momento da declaração da paixão mútua. O caminho rumo à conquista é sempre mais interessante do que o depois, do que o “morno” da segurança. O leitor vai vibrando, esperançoso, e chega ao final feliz. Deliciosa estranheza! E é aqui que desejo me deter: na estranheza ao ler um final feliz.
Állex Leilla coloca na boca do narrador: “Ainda tem escritor que pensa que o máximo de transgressão é fugir do realismo, da linearidade e abusar de palavrões”. Concordo inteiramente. Outro ponto que criou empatia direta com a minha leitura. A transgressão não está em fazer dos recursos literários bolinhas de malabarismo. E veja quanta transgressão: um narrador gay, totalmente bem resolvido, apenas ainda enlutado pela morte de seu companheiro, e que se apaixona por um dos integrantes de sua banda de rock. A transgressão: não é preciso — não espere — um divã de analista para o narrador, não há conflito quanto à opção sexual, estamos vivendo finalmente o século 21! A transgressão: um final feliz; sim, um final feliz, por que não?
Com sua literatura madura, Állex Leilla pode transgredir assim. A linguagem é perfeita para conseguir aquilo que eu dizia acima: fazer o leitor ver, ouvir e sentir. Repito: isto é de uma escritora com mão madura, segura, que não está chegando; já chegou.

LANÇAMENTOS


segunda-feira, 13 de abril de 2009

BAIANO QUE É BAIANO...


Marcelo Torres


Baiano que é baiano fala porra a cada dez palavras. Ou a cada cinco. Na Bahia, porra é tudo, menos a porra improperiamente dita Brasil afora, ou melhor, Brasil adentro. Como diz Renato Fechine, porra na Bahia é adjetivo, substantivo, interjeição, adjunto adnominal e advérbio de modo, de tempo, de lugar, de intensidade... da porra toda.
Quando se diz que "O cara mora na casa da porra" se quer dizer ele mora na casa do chapéu, no gebe-gebe, longe pra caramba, na casa da desgraça, no "zinferno".
Baiano que é baiano aguenta comer pelo menos dois acarajés sem passar mal. E ainda fica querendo mais, só que a fila fica grande e aí bate aquela preguiça de comprar outro.
Se você não sabe, acarajé é hambúrguer de baiano.
O baiano que é baiano mesmo chama as amigas de "ordinárias" e até de “piriguete” e elas não se incomodam, não se sentem ofendidas, sabem que é um tratamento carinhoso. Em Salvador é comum você olhar para sua amiga (seja ela pretinha, branquela, loira ou morena) e falar “ô, sua nigrinha", e ela achar o máximo, baianamente.
Baiano não admite cocó nem fulerage pu seu lado. Traduzindo: não gosta de cheiro mole. Entendeu não? Oxente, você tá precisando se matricular num curso de baianês. Urgente!
Pegar um rango, bater um rango e filar a bóia significam a mesma coisa: almoçar, comer, matar quem tá te matando. E quando um baiano fala “Eu tô de rango” significa que tá com fome.
Baiano que é baiano não bebe. Come água. Fica em águas. "Ontem Fulano estava em água dura". Tradução: estava trêbado, pra lá de Maracangalha. Bebeu cuma-porra e chamou Hugo (ou seja, vomitou). O baiano, quando chama um brother pra beber, fala: "Rumbora cumê água?" Em Salvador ninguém fala balada. Fala reagge. “Bora pu reagge?”. Não importa se a música é axé, samba, pagode, reagge, MPB, rock, forró – tudo, tudo, tudo é reagge.
Todo baiano chama Graça de Gal, Wagner de Wal, Gilberto de Gil...Para meus amigos, parentes e aderentes, eu não sou Marcelo. Sou Macelo (engole-se o "r"). Sérgio é Sejo, terça-feira é têça-fêra; bar é bá e cerveja é ceveja.
Baiano que é baiano engole a letra d do gerúndio: - Qué qui cê tá FAZENO? -Eu tô DURMINO... Caminhano e cantano e seguino o trio elétrico...Numa roda de baianos e baianas, quando alguém chega após ter tomado banho, as pessoas falam: "hum, chegou toda tomada banho". Traduzindo: "Ela chegou limpinha, cheirosinha".
Baiano que é baiano sabe o significado da frase: "O cara tava mais enfeitado que jegue na Lavagem do Bonfim". Ou seja, usava excessivo número de adereços e enfeites.
O baiano de Salvador, sabendo ou não falar inglês, sabe que no baianês brown [bráun] não é a forma carinhosa de chamar Carlinhos Brown, o omelete-man. Brown é adjetivo de pessoa brega-espalhafatosa-cafona. É aquele motorista que põe mil adesivos no carro, o cara cheio de colares de prata e pulseiras. "Que cara mais brown!"
Baiano que é baiano sabe o que é "lavar a jega". É se dar bem, levar vantagem, lavar a égua, lavar a burra, lavar a jumenta, feminino de jumento, jerico.
Todo baiano sabe que jante não tem nada a ver com o verbo jantar. Na Bahia, jante significa aro de pneu. "Rodar na jante", no sentido denotativo baiano, é o carro rodar com o pneu vazio ou furado. Mas, na putaria, rodar na jante é transar sem camisinha.
Baiano que é baiano sabe o que é nestante. É "nesse" + "instante", ou seja, daqui a pouco. Baiano fala pra semana (na próxima semana), parumês (no próximo mês) e paruano (no próximo ano). "Paruano sai milhó", diz o dono do bloco decarnaval.
Só baiano sabe o que é falar "de hoje a oito". "Meu aniversário é de hoje a oito", ou seja, é daqui a sete dias.
Baiano que é baiano fala horas de relógio. "Fiquei duas horas de relógio esperando aquele filadaputa". Em geral, fala-se "horas de relógio" quando se quer enfatizar atraso, demora.
Em Salvador, se você convida alguém prum aniversário ou batizado de boneca, essa pessoa leva uma renca de amigos (renca = muitos, uma catrupia, muita gente).
Baiano fala na moral em vez de por favor... "Pega isso aí pra mim, na moral".
Baiano vive dizendo que Sergipe é o quintal da Bahia... E o sergipano adora a Bahia e os baianos. O baiano de Salvador parece não querer ser nordestino e esculhamba o sotaque de sergipanos, alagoanos, pernambucanos, potiguares, paraibanos... (não deveria ser assim, mas é, infelizmente é).
Baiano chama ônibus de humilhante. “Vou de humilhante”. Ou então é simplesmente carro. “Vou pegar o carro” (pegar o buzu). Taxista em Salvador é taquicêro.
Baiano acha legal quando dizem que ele é "retado"; "boca de zero nove" ou "um pinico cheio". Significa dizer que é um cara legal, porreta, “um cara de fudê”!
O baiano, quando tá indo embora, não diz "tô indo"; ele diz "tô chegando". Não vai embora, se pica. "Vou me picar" significa "vou cair fora". Em Salvador, “se picar” não é se auto-molestar, é cair fora, ir embora.
Ruma, em Salvador, é um bocado de coisas, uma ruma. Uma ruma de papel, uma ruma de gente, uma ruma de bagulho, ruma de tralha. E ainda tem o verbo rumar. “Rumei-la porra nele”, ou seja, arremessou alguma coisa no infeliz.

Na Boa Terra, é comum você tratar um amigo, um colega ou um desconhecido como "pai". Se for mulher, "mãe". "Venha, pai". "Venha, mãe". Muitas letras de músicas baianas têm pai e mãe nesse sentido. "Venha cá, papá". Também é comum tratar um desconhecido como "maluco", mas é uma forma carinhosa. "Vai, maluco" (é como o ‘tchê’ do gaúcho, o ‘meu’ do paulistano e o ‘malandro’ do carioca). Brother, maluco, velho, bicho, baêa, irmão.. tudo isso é saudação de amigo pra amigo.Quando se diz "A reunião não teve um pé de pessoa", se quer dizer que a reunião não teve ninguém.Tem também o cara que diz "Colé a de mermo?", e o outro responde: "É niúma". Papo cabeça.
Todo brasileiro acha que baiano fala a palavra arretado. Não tem o ‘a’, baiano fala ‘retado’. Raul cantava: "Não planto capim guiné pra boi abanar rabo/ Tô virado no diabo/ eu tô retado com você/ Tá vendo tudo e fica aí parado/ Com cara de veado/ Que viu o caxinguelê".
"Tô retado" significa tô zangado, tô puto da vida. Mas retado também exerce a função de superlativo: "É bonito que é retado" [ou seja, é muito bonito]. "O cara é retado de feio" [ou seja, é muito feio]. E, quando se diz "Ele é um cara retado", significa dizer "Ele é boa praça".
A Bahia é o único estado que começa com B - de Brasil.
O mapa da Bahia é quase igual ao do Brasil, você já viu?
A Bahia tem a maior costa marítima do País, você sabia?
A Bahia faz divisa com oitos estados. E Salvador é a terceira cidade mais populosa do país, você sabia? Não, a maioria dos soteropolitanos não sabe disso, pode fazer um teste agora e perguntar "qual a cidade mais populosa do país depois de RJ e SP"; eles vão dizer que é BH ou Porto Alegre (faça pergunta sem dar pista).
Tinha um baiano que era magro pra caramba e o apelido era Gordurinha. Ele disse o seguinte: "Um baiano é uma coisa divertida; dois baianos, uma boa pedida; três baianos, uma conversa comprida; quatro baianos, um comício na avenida".

E ainda se diz também que: 1 baiano = um escritor famoso; 2 baianos = uma luta de capoeira; 3 baianos = um grupo de axé; 4 baianos = um terreiro de candomblé.
Pois é, todo baiano tem um pouco da sátira de Gregório de Matos (o boca de inferno), da poesia de Castro Alves, da malemolência de Gilberto Gil, do “marquetingue” de Duda e de Nizan (que disse que o baiano não nasce, baiano estreia).

Todo baiano tem um pouco da esperteza de ACM e da candura de Irmã Dulce. Todo baiano tem régua e compasso que a Bahia lhe deu. Todo baiano tem um santo, uma ginga de corpo, um rei na barriga. A música nas veias, o ritmo no pé, o 'oxente' na boca.

E a música: "Que bom você chegou/Bem-vindo a Salvador, coração do Brasil/ Vem, você vai conhecer/ A cidade de luz e prazer/ Correndo atrás do trio/ Vai compreender que um baiano é/ Um povo a mais de mil/ Ele tem Deus no seu coração/ E o diabo no quadril".

Marcelo Torres é baiano, jornalista, cronista, torcedor do Vitória,(mailto:mmarcelocronista@gmail.com) ,
se repassar, conserve o texto original, o e-mail e o blog do autor.
Foto da Praça Castro Alves, Salvador, Bahia, de koichimura, retirada do Flickr.

domingo, 12 de abril de 2009

TRÊS FICCIONISTAS NA BIENAL DO LIVRO





Dia 25 de abril, às 20:00 horas, no Café Literário da Bienal do Livro da Bahia, os escritores Aramis Ribeiro Costa, Antônio Torres e Carlos Ribeiro discutirão sobre a diferença entre escrever um romance e um conto. Os três ficcionistas têm obras nos dois gêneros literários, estando capacitados, portanto, para conversar sobre o assunto.


Foto de Aramis Ribeiro Costa: Rejane Carneiro/ AG. A TARDE

sábado, 11 de abril de 2009

terça-feira, 7 de abril de 2009

PERSISTÊNCIA DO ESPÍRITO GREGO


Gerana Damulakis



Quando Alfred Nobel estabeleceu em seu testamento, em 1895, cinco prêmios internacionais, o Prêmio Nobel de Literatura rezava que fosse deferido “à pessoa que houvesse produzido, no campo da literatura, a obra mais proeminente de tendência idealística”. Desde então, esta expressão suscita muita discussão. Foi o caso de, por exemplo, e para ficarmos entre os gregos, Níkos Kazantzakis(1883-1957), mais de uma vez indicado para o prêmio sem chegar a alcançá-lo, mesmo que Zorba, o grego tenha obtido êxito mundial, e a Odisséia: uma continuação moderna seja uma obra de fôlego com seus 33.333 versos, sem esquecer o grande número de romances louvados como A última tentação de Cristo, Cristo recrucificado, Liberdade ou morte etc.
Apesar disso, a literatura neo-grega atingiu a validez, a importância e a repercussão universais, conforme atestam os Prêmios Nobel concedidos a dois poetas gregos na segunda metade deste século: Giorgos Seféris, em 1963, e Odisséas Elytis, em 1979, o que de resto consagra também a vitória do demotikí sobre sobre a katharévousa, ou seja, a língua oficial do estado. O demótico dos grandes escritores do século passado e do século XX, desde Solomós, fundador da literatura neo-helênica, até Kazantzákis, Seféris ou Elytis, incluindo Kaváfis, apesar de seus arcaísmos, parece ter ressuscitado a literatura que outrora fora portentosa.
Graças à tradução de José Paulo Paes, sem transcriações mais que ousadas ou inovações tradutórias, temos a oportunidde de conhecer um pouco da poesia neogrega — anteriormente JPP traduziu Kaváfis — com o primeiro Nobel da literatura da Grécia, Giorgos Seféris. Buscando sempre manter a forma e a insinuação do original, e preservando a beleza poética, já que também ele é poeta, José Paulo Paes precede suas traduções com um ensaio crítico elucidativo, plasmando um texto que visa dar um panorama expressivo da obra total.
Giorgos Seféris nasceu em Esmirna em 1900, estudou em Atenas, diplomou-se em Paris e seguiu a carreira diplomática, assim como, desde cedo, foi tomado pelo famoso sentimento de kaimós: uma saudade do passado glorioso da Grécia, ao mesmo tempo uma tristeza em relação ao presente. A obra de Seféris gira em torno do desencanto entre o ser e o não-ser: é o espírito grego que persiste em lembrar o que já foi, embora não possa voltar a existir com igual esplendor; é um impasse sem solução, representado na indiferença com que as estátuas, as ruínas, as pedras e o mar demonstram diante do tempo. Enfim, uma impassibilidade frente à angústia que consome o poeta.
Quando estreou em 1931 com o livro Strofí (Estrofe ou Viragem), Seféris já anunciava uma nova inflexão. Não apenas ele, mas a geração de 30 da revista Tà néa grámmata (Novas Letras), alardeava o novo tom poético com Katsímbalas, Seféris e Karandônis, todos eles de certa forma influenciados pela poesia francesa. O simbolismo e o intelectualismo de Mallarmé e Valéry estão presentes ainda em I Stérna (A Cisterna), livro de 1932. Daí em diante, Seféris encontra sua própria dicção, mais livre, e publica Mythistórima (Romance), em 1935, composto de poemas que “conversam” entre si. É fácil detectar a empatia da poesia do grego com a de Eliot, no entanto, apesar de haver traduzido o americano, é arriscado considerar Seféris como um epígono de Eliot ao lidar com o tema da terra gasta, porque o sentimento de Seféris é tipicamente helênico.
De 1940, o livro Tetrádhion Gymnasmáton (Caderno de Exercícios) traz o poema “A Maneira de G.S.”, iniciais do autor, cujo verso, enfatizado pela repetição, “Para onde quer que eu viaje a Grécia me dói”, diz da sua sensação diante da vida peregrina de diplomata. A tendência em usar da personificação, tal como o Pound das personae ou o Fernando Pessoa dos heterônimos, também invadiu Seféris, que criou Matias Pascal e Strátis Marinheiro, cada qual com suas características.
Mas é no livro Imerológio Katastrômatos (Diário de Bordo I) que está a obra-prima de Seféris, “O rei de Assine”, poema surgido de uma visita do poeta às ruínas da acrópole de Assine, no Sul da Grécia continental. No local, Seféris presenciou a descoberta de uma máscara de ouro e lembrou, tanto que colocou como epígrafe no poema, um verso da Ilíada onde Homero cita Assine. O poema traz de volta a questão do ser ou não-ser, da presença e da ausência, sendo, sem dúvida, dos mais bem logrados. Outro fato interessante a assinalar é o verso de Hölderlin, traduzido para o grego, no Diário de bordo I: “De que servem os poetas num tempo pusilânime?", pergunta respondida por Seféris em O Rei de Assine, quando tenta ressuscitar um tempo passado: assim faz o poeta, essa é sua serventia.
O Diário de bordo II foi publicado em Alexandria no ano de 44, em plena guerra, enquanto um pequeno volume, Tordo, de 1947, é um poemeto singular em torno de um pequeno navio, afundado pelos alemães, conservando certa porção de seus restos na superfície e a outra parte imersa na água, ou seja, excelente metáfora para o poeta versar os dois mundos, o claro e o escuro, a luz e as trevas.
Libertada a Grécia em 1945, Seféris volta para Atenas para chefiar o gabinete do governo Damaskinos e logo simpatiza com a causa de Chipre pela independência. Já em 1957, como embaixador grego na Grã-Bretanha, atua contra a ocupação britânica da Ilha de Chipre: é no poema “Helena”, do Diário de bordo III, que transparece a opinião do poeta em relação a conflitos por ideais incongruentes quando, usando como epígrafe a fala que Eurípedes concede a Helena, “Não estive em Tróia; aquela era um fantasma”, Seféris, mostra o absurdo de uma guerra travada por “uma túnica vazia”.
Em 1962, o poeta retorna definitivamente para Atenas. Traduzido para o inglês em livro intitulado pelo poema maior O Rei de Assine, ganhou o prêmio Foyle e despertou a atenção da Academia Sueca. Antes de morrer, em 1971, publicou Três Poemas Secretos (1966), além dos seus ensaios: Diálogos páno stín poiísis (Diálogos sobre a poesia, 1938); Erotócritos, 1946; Dokimés, 1948-62 (Ensaios).
De cada um dos livros de poesia, José Paulo Paes escolheu alguns poemas para formarmos uma idéia do melhor Seféris. Concluímos deste Poemas — Giorgos Seféris, seleção, tradução, introdução e notas de José Paulo Paes, Editora Nova Alexandria, São Paulo, 1995, que o poeta grego foi um vate universal que, tratando da angústia dos gregos, tratou da angústia de todos nós: o desencanto metafísico entre o ser e o não-ser.

Ensaio do livro O rio e a ponte - À margem de leituras escolhidas, da Coleção Selo Editorial Letras da Bahia.

domingo, 5 de abril de 2009

I COLETÂNEA SCRIPTUS - BALAIO DE IDEIAS

Gerana Damulakis

Os blogs têm um poder incrível de unir pessoas em torno de algum objetivo. Fazia algum tempo que eu não participava de coletâneas, mas não resisti e estou no Balaio de Ideias, com dois contos curtos, graças ao conhecimento, via blogs, que travei com Letícia Coelho, lá do Rio Grande do Sul. Confesso que acho emocionante o caminho que se faz virtualmente. A coletânea está descrita abaixo por Letícia e por David Nóbrega, ambos da Editora Novitas. A mistura de gêneros e estilos literários é notória, comum às coletâneas. vale a pena conhecer tantos autores e suas propostas, assim como valeu participar dessa emoção junto com eles. Obrigada aos dois, Letícia e David.

TEXTO A SEGUIR RETIRADO DO SITE DA EDITORA NOVITAS
Misture, contos, poesias, crônicas e prosas em um livro... Você terá um Balaio de Ideias.
São 25 escritores, cada um com seu estilo - alguns novatos no mundo das letras, outros nem tanto - compondo de forma homogênea uma Coletânea que priorizou o espaço de cada escritor e tratou a cada um como AUTOR (com todas as letras maiúsculas mesmo).
Nas 124 páginas da Coletânea, leituras interessantes, autores de vários Estados do Brasil e dois de Portugal, que nos presenteiam com textos singulares, compondo a I Coletânea Scriptus - Um Balaio de Ideias.
Para adquirir seu exemplar ou maiores informações:
http://scriptusest.blogspot.com/ ou
http://www.editoranovitas.com.br/

sábado, 4 de abril de 2009

NÂO SEI O QUE PREFIRO

Gerana Damulakis

Tenho especial paixão pelos livros de Saramago (grande novidade!), mas não sei dizer qual é o meu preferido. Muitas vezes penso ser O ano da morte de Ricardo Reis, mas guardo A caverna dentro de mim como o livro emblemático do mundo atual. Ocorre o mesmo com O homem duplicado e Ensaio sobre a cegueira, assim como Ensaio sobre a lucidez, atestados do nosso tempo e suas circunstâncias. Em caderno especial (sim, um caderno mesmo!, posso pegar nele e isso é importante) registro frases com as páginas referentes a cada romance. Li todos os livros de Saramago, inclusive a poesia (já postei uma aqui). Uma hora lá, pego o caderno, abro e tiro uma frase. Como a que vai abaixo.



"O mau não é ter uma ilusão, o mau é iludir-se..."
José Saramago
in A caverna

quinta-feira, 2 de abril de 2009

O CAMINHO DA OBRA DE SOSÍGENES COSTA





Para Diogo Borges



Gerana Damulakis

É hora de olhar o que aconteceu com o nome e a poesia de Sosígenes Costa, inclusive para entender este momento, quando duas peças serão encenadas com base na sua poesia. Autor de apenas um livro em vida, Obra Poética, da Editora Leitura, publicado em 1959, e já admirado por um círculo de amigos, como Jorge Amado e James Amado, Florisvaldo Matos e Clóvis Moura, só para citar alguns, o autor prometia, na folha de rosto da edição reunida, outras obras e, entre elas, estava a Obra Poética II. Mudou-se para o Rio de Janeiro e lá morreu em 1968, no dia 5 de novembro.
Na década de 70, James Amado despertou no poeta e ensaísta paulista José Paulo Paes o interesse pela poesia de Sosígenes Marinho da Costa. Isto se traduziu numa série de esforços para inserir o poeta grapiúna na história da literatura brasileira. Surgiu a pequena antologia de poemas sosigenesianos, acompanhada de uma "Tentativa de descrição crítica da poesia de Sosígenes Costa", subtítulo do volume Pavão Parlenda Paraíso (Cultrix, 1977), obra que testemunha a admiração de Paes. No ano seguinte, àquela Obra Poética II, prometida pelo autor na folha de rosto da edição de seu único livro, foi acrescentada a reedição da Obra Poética da Editora Leitura e, mais uma vez, em volume organizado por José Paulo Paes, a Cultrix continuava editando tais trabalhos. Não ficou nisto: o poema modernista "Iararana" só figurava na edição da Leitura como "Trecho de Iararana", mas veio a lume na íntegra, ainda pela Cultrix, junto ao MEC, em 1979, precedida, mais uma vez, de um importante estudo de Paes sobre o poema.
Há, é claro, o mérito da grande poesia movendo tudo isto. Mas temos que ser justos, e reconhecer que sempre encontramos o admirador James Amado animando os projetos, não deixando que o trabalho ficasse apenas na intenção. Em vários momentos, no estudo sobre a obra feito por José Paulo Paes, constatamos como a avaliação do ensaísta está recheada de informações cedidas por James, que ajudam a completar a figura do homem e o entendimento de sua poesia. No início dos anos 90, James Amado atuou novamente como incentivador de outro estudo que resultou no livrinho Sosígenes Costa: O Poeta Grego da Bahia (EGBA, FUNCEB, 1996), com título elaborado em torno da maneira como James certa feita referiu-se a Sosígenes: "o poeta grego da zona do cacau".
Durante a década de 90, o poeta Florisvaldo Matos foi também incansável na publicação, no caderno Cultural de A TARDE, de artigos, ensaios e poemas dedicados a Sosígenes Costa. E, no final dos 90, em 1998, surgiu a Iararana - revista de arte, crítica e literatura, recebendo o nome do poema da saga do cacau, como uma maneira de prestar homenagem constante ao poeta. A revista conta com dois sosigenesianos igualmente lutadores, os escritores Aleilton Fonseca e Carlos Ribeiro. Em Ilhéus, quando era Secretário de Cultura, o escritor Hélio Pólvora foi responsável por edições de três livros: a reedição da obra, Poesia Completa (Salvador: Secretaria da Cultura e Turismo, Conselho de Cultura, 2001); a obra do Sosígenes cronista, Crônicas & Poemas Recolhidos (Fundação Cultural de Ilhéus, 2001), coletada por Gilfrancisco Santos e, ainda, uma coletânea de textos que prestam reverência ao poeta, A Sosígenes, com Afeto (Edições Cidade da Bahia; Fundação Gregório de Mattos, 2001). Por fim, um CD com poemas de Sosígenes. Tudo isto produto do monumental labor do contista de O Rei dos Surubins e cronista da coluna Conversas do Caderno 2 de A TARDE.
A admiração é a mola mestra que está fazendo crescer este rol de apreciadores do autor de "Iararana", "Duas Festas no Mar", "Tornou-me o pôr-do-sol um nobre entre os rapazes" e tantas outras peças poéticas tão surpreendentemente originais, pois nada há na poesia brasileira que se lhes assemelhe. Temos que continuar assistindo a muitas homenagens e temos que continuar espalhando a admiração pelo valor poético do autor dos famosos sonetos pavônicos, sonetos simbolistas impregnados com uma nota barroca, que encantam. Reconhecemos o poeta nascido em 1901, em Belmonte, Bahia, mas temos que reconhecer que, se hoje sua poesia está tão viva, isto se deve, para além da força de sua obra, ao empenho daqueles que não a deixaram ser vítima do injusto esquecimento.


Gerana Damulakis é autora de Sosígenes Costa: O Poeta Grego da Bahia (EGBA, FUNCEB, 1996).

quarta-feira, 1 de abril de 2009

GUSTAVO E O HAICAI NO BRASIL


Gustavo Felicíssimo produziu um ensaio sobre o haicai no Brasil e o pioneirismo de poetas baianos, que foi publicado na revista "O Escritor", edição de dezembro de 2008. Agora, Goulart Gomes pediu o texto para a revista do Poetrix que será lançada em breve.
Nascido em Marília, interior de São Paulo, Gustavo Felicíssimo reside na Bahia desde 1993. Foi aluno da oficina de criação literária da mestra Maria da Conceição Paranhos. É poeta, ensaísta e preparador de textos. Tem o blog http://www.sopadepoesia.blogspot.com/