sábado, 24 de novembro de 2007

LUNARIS

Gerana Damulakis




Carlos Ribeiro é experimentado contista e romancista, só para ficar na literatura e deixar o jornalista um pouco longe dos comentários desta coluna. Lunaris (EPP Publicações e Publicidade, 2007) é seu mais recente romance; simplesmente não há como ignorar o quanto é instigante sua leitura. Ir descobrindo quem é o personagem, para qual lugar caminha, esta é a grande chave do romance. A epígrafe é de Stanislaw Lem, autor polonês consagrado no século XX como grande nome da literatura científica, cuja obra mais importante e conhecida, Solaris (Relume-Dumara, 2003), é de 1961 e hoje é tida como um clássico da ficção científica, já com versão cinematográfica. Solaris é um planeta com órbita entre dois sóis, tendo como exclusivo ser vivo um oceano inteligente, responsável pela existência do próprio planeta. Quem deseja que façamos o paralelo com Lunaris é o próprio autor, pois há aqui mais do que sugestão, há indicação explícita: “Este lugar — que chamava de Lunaris, numa referência ao romance Solaris, de Stanislav Lem —, era uma forma especial de pensar”. Em Solaris, o psicólogo Kris Kelvin vai à estação para socorrer os cientistas que estudam o planeta inteligente. O que se passa é o seguinte: os tripulantes ficam espantados porque imagens de seus próprios pensamentos são corporificadas pelo oceano. Kelvin recebe, inclusive, a visita de sua mulher que se suicidou há 10 anos. Não há propriamente um diálogo entre as duas obras, a de Lem e a de Ribeiro: antes, há uma ponte, uma obra e sua ligação com a outra, tal como ocorreu com o romance O deserto dos tártaros, de Dino Buzzati (Nova Fronteira, 1984) e o poema de Konstantinos Kaváfis, “À espera dos bárbaros”, ambos de um lado da margem, enquanto do outro está o romance homônimo do poema, que J.M. Coetzee, Prêmio Nobel de Literatura de 2003, escreveu: entre as obras uma bela ponte.
Voltando à leitura de Lunaris: para Alberto, personagem de Carlos Ribeiro, basta lançar uma garrafa ao mar, ou jogar um aviãozinho de papel ao ar, que prontamente é atendido e visitado por Hélio, habitante de Lunaris, pois que este lugar é assim como uma possibilidade. Em meio ao dilema entre viver para trocar lâmpadas e comprar pão, ou viver numa dimensão, digamos, mais elevada que o reles dia-a-dia da humanidade, Alberto entra no ensaio das idéias, discutindo literatura, nomes e valores, mitos como Glauber Rocha para, mais uma vez, sentir-se com vontade de escapar. Estes são ótimos momentos.
Quando se desloca para outro plano, Alberto vislumbra uma vida que pode ser, mas no final — e é um grande final — ele se vê prestes a ter que optar. Nada mais pode ser dito aqui sem causar prejuízo na leitura. No total, o oceano de Solaris é, em Lunaris, o próprio Alberto, haja vista ser ele quem “refaz pessoas, reconstrói acontecimentos, elimina todos aqueles que o aborrecem”, na medida em que sabe como escapulir de um mundo para outro.
A estrutura do romance é muito bem lograda, com capítulos curtos que vão num crescendo de interesse para o leitor. Chega a ser ousadia dizer que neste crescendo, cresce também o escritor — ousadia, pois Carlos Ribeiro já é portador de uma obra importante —, mas é notório que Lunaris confirma a competência da arte de Carlos Ribeiro.

Este texto é a coluna Olho Crítico da Página Aberta do jornal Tribuna da Bahia, 24/11/2007.