quarta-feira, 6 de agosto de 2008

ALEXANDRE SOLJENITSIN (1918 - 2008)

Gerana Damulakis




Os restos mortais do Nobel da Literatura de 1970, o russo Alexandre Soljenitsin, encontram-se hoje em câmara ardente na Academia de Ciências, em Moscou, para uma última homenagem antes do funeral, quarta-feira. O escritor morreu domingo, dia 3 de agosto, aos 89 anos.
Sua obra célebre é Arquipélago Gulag, mas coloco na minha lista dos 100 livros inesquecíveis a obra-prima Um dia na vida de Ivan Denisovich, que li e tenho em edição portuguesa da Coleção "Livros de Bolso Europa-América", Publicações Europa-América .

AMOR DE CARNAVAL


Ildásio Tavares



A campainha soou, blim-blom, Almeida deixou tocar outra vez para ter certeza e se dirigiu à porta deliberadamente. Abriu e lá estava ela, os cabelos meio curtos, molhados por restos de chuva, que ela sacudiu num gesto gracioso, o decote generoso em V, mostrando os seios macios, polpudos, rijos, arfando na porta de sua casa; o corpo perfeito, a cintura fina, as coxas grossas, falsa magra como Almeida imaginara e olhando-a na porta de sua casa mal podia acreditar. Só faltava a bunda ser empinada. E como adivinhando o seu pensamento, ela se virou para pegar a sombrinha. Incrivelmente empinada e redonda. Bem feitíssima. Almeida respirou fundo.De pé na porta.
Carnaval. Sozinho em casa. A semana na repartição, segunda, terça, quarta, quinta ,sexta, todos os dias iguais, a cara feia do chefe, os colegas mal educados, o povo enchendo o saco atrás de papel, certidão, atestado, enchendo o saco, pega documento daqui, bate carimbo dali, aquela comida enjoada, PF mal amanhado, finalmente chegara o carnaval, pra dar algum movimento naquela vida.da repartição,em que Almeida levantava de sua carteira e ia, de vez em quando, ao banheiro, só pra matar o tempo.
Edileusa. Carminha. Iraildes. Eram as meninas da outra repartição onde ia de vez em quando levar um papel. Edileusa era boa demais. Um pedaço de mulata. Carminha alourada, galega e Iraildes mulatinha clara da boca bonita. Almeida fez o possível pra se entrosar na outra repartição porque na sua ele não era nem notado. Mas as meninas de lá, tanto quanto as de cá, nem davam a menor pelota. Levou até um chocolate para Edileusa, gaguejando quando o ofereceu. Ela sorriu indiferente. Almeida odiava aquela leve gagueira de sua timidez, principalmente quando falava com mulher. Foi gaguejando e dizendo a Edileusa olhe o que eu-eu trouxe pra-pra você. Que raiva.
Carnaval. E de repente bate o telefone, quem seria. Carnaval, Almeida ficava absolutamente só. Este ano, quando esteve na outra repartição, ele ouviu as meninas combinarem sair no bloco de trio, comprarem abadá. Tomou coragem e se aproximou. Vocês vão sair no bloco é-é? Iraildes respondeu seco Vamos sim, e daí. Almeida se recolheu. E mergulhou na solidão. O telefone tocou na segunda, depois de quatro dias em casa, vendo TV. Era uma voz doce, meiga, parecidíssima com a voz de Mariângela Sales, âncora do canal 12. Alô, quem fala?
Sou eu, a voz era muito doce do outro lado. Eu quem, indagou Almeida. Do outro lado ele escutou um sorriso. Diga, diga
É preciso ter nome? . De nada adiantava aquela conversa mas também de nada adiantava ficar só. Ela voltou a trinar. Se você quiser eu posso ir até aí. Aí você fica me conhecendo pessoalmente e eu lhe digo meu nome. Diga logo seu nome, Almeida insistiu. Você é Mariângela? Não, ela disse. Como é você? Tenho os cabelos meio curtos, seios, polpudos, macios, e rijos, corpo bem feito, cintura fina, coxas grossas, me chamam de falsa magra.
De pé na porta, Almeida ouviu um barulho lá dentro e virou a cabeça. Quando olhou de volta ela não estava mais lá.


Ildásio Tavares é ficcionicta, poeta, ensaísta, compositor e tradutor. Este conto faz parte de Histórias de Almeida, uma série de contos com variações do mesmo personagem. Foto retirada do Flickr, de AF Rodrigues.