terça-feira, 21 de outubro de 2008

CANTO DE EURÍDICE


Gustavo Felicíssimo


Senta e escuta o orvalho no vale
e o verde do campo
enquanto contemplo a tua carne vertiginosa
e te falo sobre a vida
onde apenas os mortos sobrevivem.
Os sonhos, meu amado,
me faziam companhia durante o crepúsculo
e neles te encontrava,
o teu canto escutava,
mas te alcançar já não podia.
Pedi aos deuses que viesses em hora mágica,
quando a luz se avizinhasse
e me prendesse nos teus abraços,
que me lembrasse dos teus passos
e o sabor dulcíssimo do beijo.
Ofereci-me em sacrifício,
despi-me das fontes, das nascentes
e passei a mendigar pelos caminhos;
coroada de espinhos
vi a existência caindo sobre os pântanos.
Atirei-me ao fogo
e além do fogo nada mais conheci;
resisti à dor e a tudo que há de vil,
desejei adormecer
e adormecer também não pude.
Aceitei os desígnios divinos
e feito um pégaso preso ao arado,
entre as cinzas ardendo,
luzi meu próprio sofrimento;
recolhi-me ao tormento, insignificante.
Silenciei-me na insana luta
e frágil feito a flor do jasmineiro,
sôfrega, esperei por tua chegada
como se espera um deus
junto à tarde imaculada das madressilvas.
Dá-me agora, amor, o sabor da tua pele,
o prazer inenarrável do sorriso
e afasta dos olhos meus tanta amargura;
segura-me pela cintura
e toma posse do que é seu.



Gustavo Felicíssimo é poeta, ensaísta e editor. Tem no prelo a obra FRUTO DE OURO, A POESIA GRAPIÚNA EM QUESTÃO (ensaios sobre a obra de 23 poetas grapiúnas).
Foto "Eurídice", de kairos_dd, retirada do Flickr.

CONVITE DE LETÍCIA COELHO


Convido você a participar da próxima edição do Coletânea Artesanal intitulada "Metamorfose" que estará no ar no dia 30 de novembro http://www.coletaneartesanal.wordpress.com/Envie seus textos até o dia 28 de novembro de 2008 para leticia.lo.coelho@gmail.com ou http://br.mc523.mail.yahoo.com/mc/compose?to=lunnaguedes@gmail.com


Metamorfose

A ilusão que nos acompanha a cada passo...
Aquele que bem pode ser o último, antes da queda, que leva ao fim, ao declínio.
O medo se transforma em inimigo!
E você não mais se reconhece quando olha no espelho - não possui mais olhos para ver o que está lá.

O desafio de ter o último pensamento...
Que pode ou não ser perfeito, que pode ou não definir toda uma vida, uma história e pode bem ser o fim de uma existência
porque nunca mais será como foi um dia.
Sofreguidão...
Sentir que só existe uma certeza:
Todo mundo um dia morre.



Tela "Sol Poente", de Tarsila do Amaral, retirada do site oficial: http://www.tarsiladoamaral.com.br/

SEM GUARITA

Luís Antonio Cajazeira Ramos


A saudade reside em meu portão.
Às vezes entro e saio sem notá-la.
Quando a encaro, porém, falta-me a fala.
Não há palavras para a solidão.

Terrível o lugar de seu plantão.
Sentinela invasora, não se abala.
Se entro ou saio, fuzila-me sem bala.
Caso contrário, prende-me no chão.

Tento ficar em casa em companhia.
Tento entrar e sair acompanhado.
Mas seu olhar me caça noite e dia.

Penso mudar de casa e dar um basta.
Mas nessas horas ela adianta o fado.
Mais se aproxima, e tudo mais se afasta.


Luís Antonio Cajazeira Ramos é autor de Fiat breu (Papel em Branco, 1996), Como se (Editorial Letras da Bahia, 1999), Temporal temporal (Relume Dumará, 2002) e Mais que sempre (7Letras, 2007).