segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

MORRE TOMÁS ELOY MARTÍNEZ

Gerana Damulakis

No dia 31 de janeiro de 2010 morreu o escritor argentino Tomás Eloy Martínez, nascido em 1934. Sua obra está traduzida para mais de trinta idiomas. Pode ser lembrado principalmente por livros como Santa Evita e O cantor de tango.

Sua característica maior foi combinar ficção e realidade. Recebeu importantes prêmios, tais como o internacional Alfaguara de Romance, em 2002, por O voo da rainha, e o prêmio Ortega y Gasset de Jornalismo, em 2009.

A homenagem que uma leitora de Martínez pode fazer é lembrar momentos prazerosos que sua literatura proporcionou. Lemos, a escritora Ângela Vilma e eu, A mão do amo (Companhia das Letras, 2008), romance diferente, fora da sua linha supracitada. Cheguei a escrever uma pequena resenha aqui no Leitora. Como eu vinha "dizendo", Ângela e eu lemos o romance e trocamos impressões sobre o personagem Carmona. Ela me disse que viajou com ele durante a narração de uma insólita viagem de trem. Para mim, inesquecível foi a imagem daquela casa que, após a morte da mãe de Carmona, ficou suja e cheia de gatos, emblemática da transformação na vida do personagem, então solitário, esquisito e totalmente perdido com a falta do poder exercido pela mãe.

Purgatório (Companhia das Letras, 2009) é um romance de amor, mas traz a marca de Martínez, que não deixava a crítica política. Um casal foi separado no auge da ditadura argentina. O pai de Emilia, pessoa importante junto aos grandes das Forças Armadas, tratou de fazer sumir o genro. Emilia jamais acreditou que Simón morreu e começou a seguir pistas falsas, indo morar no Rio, depois em Caracas e, por fim, em Nova Jersey, quando o reencontrou. Só que, trinta anos se passaram, ela ficou velha e Simón permaneceu com a mesma aparência como na época em que desapareceu. Eles se reencontraram com muito amor. Emilia podia, enfim, viver tudo o que guardou para ele. O desfecho? Não conto, mas asseguro que vale a pena, não se trata de um Dorian Gray, a razão do não envelhecimento de Simón é outra.

Deixo um pequeno trecho retirado de uma daquelas páginas com pontinhas dobradas do meu volume de Purgatório.

Aquilo que não chega a ser nunca sabe que poderia ter sido. Os romances são escritos para isso: para compensar no mundo real a ausência perpétua daquilo que nunca existiu.



Foto by Gonzalo Martinez

VIAGENS COM MURAKAMI

Gerana Damulakis

Enfatizo meu gosto pela literatura japonesa em todas as oportunidades. Hoje, senti falta de mais uma obra da ficção singular de Haruki Murakami ao constatar que em Portugal já há mais títulos traduzidos do que aqui e acaba de ser lançado mais um volume; nós temos apenas seis títulos. Qualquer um deles proporciona uma leitura fascinante, porque os romances de Haruki são viagens extraordinárias, no sentido literal.
Pelo fio da falta, tomo outra vez, não seu último romance - Após o anoitecer (Alfaguara/Objetiva, 2009)-, mas o penúltimo romance de Murakami: Kafka à beira-mar (Alfaguara/Objetiva, 2008) e releio as páginas com as pontinhas dobradas, sinal de importância para mim, em busca do que me suscitaram.

A felicidade é invariável. Mas a infelicidade apresenta inúmeras facetas, se modifica de pessoa para pessoa. Exatamente como disse Tolstói. A felicidade é uma alegoria, a infelicidade é uma história.

Sou como um corvo desgarrado do bando. Essa é a razão por que adotei o nome Kafka. Kafka significa corvo em tcheco.