sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

POESIA NO BLOG

Gerana Damulakis

E ainda há quem tenha preconceitos: "Não sou blogueiro", "Não tenho tempo para blogar" etc. Pois, pena de quem assim pensa com seus retrógrados pensares.
Outro dia, a poeta Myriam Fraga e eu estávamos conversando exatamente sobre a qualidade da poesia que se encontra nos blogs. Claro, há muita catarse, poesia inocente, blá blá blá, mas há muito, muito mesmo de poesia de excelente qualidade nos blogs do Brasil, de Portugal e dos países de língua portuguesa na África.
Assim conheci - e, ao escrever sobre o assunto, não posso deixar de enfatizar o fato - a poesia de primeiríssima água de Nilson Pedro, postada primeiramente no seu blog Blag (http://nilsonpedro.wordpress.com/), atualmente com livro publicado, intitulado Caixa Preta (P55 Edições, 2009). Não listarei outros poetas para não correr o risco de esquecer algum nome e, também, porque agora quero trazer para este espaço um exemplo da poesia de Henrique Pimenta, do blog Bar do Bardo (http://dobardo.blogspot.com/), com sua devida autorização.

FELICIDADE
------------Henrique Pimenta

Eu não posso ser inocente nem inocentado
pelo seu colo de luz.

Eu me intrometo por estranhas simetrias
nas curvas desconexas
de sua luxúria.

Vou dos haveres de Deus
às franjas do Nada
num só
coice.

Ai.


Ilustração: Morning in the City, c. 1944, de Edward Hopper (1882-1967).

SE ESCRITORA FOSSE


Gerana Damulakis

Não sei dizer com segurança o estranho efeito que Orhan Pamuk exerce sobre mim. São tantos os escritores que admiro e, aqui, estou bem restrita ao mundo dos escritores vivos em plena produção. Com Pamuk é mais do que admiração pelo estilo, prazer com a leitura de seus livros, êxtase diante de determinado título. Com Pamuk é algo no plano do imponderável, diferente da minha tietagem quando se trata de Saramago, de minha estupefação quando tiro o chapéu para Philip Roth , da consciência sobre a maestria de Coetzee ou Le Clézio, Ian McEwan ou Enrique Vila-Matas ou Juan José Millás, Haruki Murakami, Mario Vargas LLosa, Tomás Eloy Martínez, Amós Oz e assim por diante.
Um pouco de Pamuk:

Mesmo quando esses infortúnios desabam todos ao mesmo tempo sobre nós, já sabíamos havia muito que estavam de tocaia à beira de nosso caminho: já os esperávamos, já estávamos prontos para ele; ainda assim, no momento em que a nova nuvem de problemas nos avassala, como um pesadelo, sentimo-nos estranhamente sós, irremediavelmente sós, desesperadamente sós; e, incrivelmente, continuamos a sonhar com a felicidade que ela poderia nos trazer, se pelo menos conseguíssemos compartilhar a nossa dor com outras pessoas.

Enquanto digitava o trecho do romance O livro negro (Companhia das Letras, 2008), de Pamuk, lido mais de um ano atrás e, por urgência, retomado agora (releitura apenas das páginas, cujas pontinhas marquei), creio que compreendi que se escritora fosse, gostaria de ter esse modo de dizer, essa linguagem, esse estilo.

A medalha é para lembrar que Pamuk é Nobel de Literatura de 2006. Dele são os títulos: Meu nome é vermelho, Neve, O castelo branco, Istambul, O livro negro. A maleta do meu pai, discurso de recebimento do Nobel, é um texto que me fez derramar lágrimas 2 vezes, quando li e quando reli para Aramis. Todos os títulos foram editados pela Companhia das Letras, inclusive o discurso.