quarta-feira, 24 de setembro de 2008

SEMPRE MAIS

Gerana Damulakis

Finalizada a lista, títulos e títulos me ocorrem. O prazer não foi suficiente para lembrá-los? Não é esta a questão. É evidente que, do meio para o fim da lista, ou até antes da metade, a memória dos mais recentes romances foi poderosa e lançou o título. Seguem algumas faltas:

Orlando ou Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf (fico com ambos)

O homem sem qualidades, de Robert Musil

Pedro Páramo, de Juan Rulfo

Mulheres apaixonadas, de D. H. Lawrence

Persuasão, de Jane Austen

Na verdade, há autores que têm muitos títulos no mesmo patamar de excelência. É o caso de Jane Austen. Lembro que, na lista dos 100, coloquei Emma, mas tanto Razão e sensibilidade, quanto Orgulho e preconceito, ou o título supracitado, todos foram romances grandiosos. Isto costuma ocorrer comigo: esgoto o autor e, depois, fica difícil escolher apenas um romance. Dá para imaginar, então, a lista enorme só contendo os títulos de Ernest Hemingway, Scott Fitzgerald, Marguerite Duras, George Eliot, Henry James, Kawabata, Murakami... E a lista com os romances de José Saramago, admiração maior!

UM POEMA SEM QUE SE SAIBA


Nilson Pedro



Sorrindo como sorriem os homens
quando são apenas
o que são, apenas
homens. Quando olham para
as estrelas e nelas vêem
estrelas, e nelas vêem
brilhantes, e nada além
ou aquém: e nelas intuem a
noite sem que se saiba da
noite que sonho vão.
Sorrindo como quem sabe
que não.


Nilson Pedro assina o blog Blag, entrada pelos meus favoritos. Foto "Sorriso" por Alda Cravo Al-Saude, retirada do Flickr.

CASUAL


David Nobrega


A noite é uma criança, diz o velho ditado.
Tendo convivido com esta companheira escura e calada por tantas e tantas vezes durantes tantos e tantos anos posso lhes afirmar: se a noite fosse uma criança, seria pura. E não o é.
Dê um passeio por ruas escusas e de pouco movimento, por exemplo. Seus passos podem calmamente ressoar pelas calçadas, enquanto se ouve aqui nesta casa, um lamento, naquela outra, um gemido. Vozes que pensam ser abafadas por não poderem ser vistas.
Pode-se encontrar com uma das várias gangues que enxameiam a pestilenta madrugada, violentas e despreparadas para a vida.
A presença constante de facilidades para prazeres mundanos.
A noite é, pois então, mais um adolescente descobrindo novidades; assim como todos que atravessam escuras horas a procura de verdades que a luz do dia esconde.
Pois eis-me aqui então, empreendendo uma nova jornada, a procura de algo ou alguém que me entretenha até mais um novo dia. Caminho só; caçada em bando é algo para lobos e não me considero parte da alcatéia. Aqui por esta movimentada avenida, tantos outros como eu buscam o mesmo prazer.
Entro em um de seus infernos terrenos, para uma boa dose de conhaque. Está frio e meus pés sentem a necessidade de um calor que par de meias algum pode fornecer. Sento ao balcão, peço meu trago e ouço, ao fundo, acordes de algum novo sucesso, copiado de outras noites já falecidas de minha vida.
Um conselho: quando for a um bar, sente sempre ao balcão. Não existe lugar melhor para se ver e ser visto. Mesas são para casais que se formaram durante os dias. Amantes noturnos exibem-se em balcões de bares...
"Faz tempo que não lhe vejo por aqui" - diz ela que acaba de chegar.
"Sim. Estava em viagem. Voltei há pouco. Senta, bebe comigo."
Whisky. Mulher que bebe whisky é sensual. Como aquelas que bebem cerveja são alegres. As dos coquetéis não gosto: muito comportadas. Refrigerantes então, me põe para correr.
"Então, trabalhando muito?"- me pergunta, enquanto meço cada centímetro daquele busto semi-aparente por entre cortes bem ajustados de tecido leve.
"Sim e não. Tive trabalho fora da cidade e aproveitei para descansar uns dias longe do frio. E você, não estava por acaso de namoro com F...?"
Diz que não!, penso e rezo.
"Foi algo passageiro. Nada demais..." - me responde com a boca úmida pela bebida...os lábios
roçando a borda do copo. Ela sabe que sempre tive lá minha queda por suas curvas. Não teria como não perceber meus olhares quando passa por mim, em outros encontros pela noite.
"Tem planos para logo mais? Digo, a noite está apenas começando."
Gaguejei? Com certeza.
Ela encosta, roça, suas maravilhosas coxas nas minhas e me encara, com certa estranheza no olhar. Com certeza aquele não era o primeiro whisky.
"Me diz o que faremos. Estou em suas mãos. A não ser que você já tenha algo melhor para fazer..."
Gargalho por dentro, mas sobriamente, fazendo pose respondo:
"Não. Nada melhor nem pior. A noite é sua."
Saímos. O vento começou a soprar mais forte e ela se aconchega a mim. No táxi, o primeiro beijo. Mãos que correm tateando umidades.
"Mais uma bebida?", pergunto educadamente ao chegarmos em casa. Posso estar com minhas vontades à flor da pele, mas deve-se ser polido, sempre. Ela recusa e me abraça. Me beija. Encosta seu corpo em minha dureza.
Bocas coladas, peças de roupas arrancadas, tropeços em direção a cama. A simples visão daquele corpo perfeito e despido me torna selvagem. Beijo esse corpo todo. Lambo. Penetro. Variações não programadas. Gozo.
Ritual: minutos abraçados, respirações apressadas. Banheiro. Cigarro.
Nada de "foi bom para você?". Sabemos e sentimos que foi. Hipocrisia não cabe em adolescentes noites.
"Te ligo mais tarde", digo, mentindo.
"Não, não liga. Deixe que seja uma nova surpresa, em outro bar."
O sol já está despontando quando finalmente parte.
À luz do dia, já não parece a mesma pessoa, com sua maquiagem borrada.



David Nobrega está preparando um livro de contos. Este é um exemplo dos que lá estão. Foto de Renata e Guilherme, retirada do Flickr.

UM GATO



Fred Matos


era um gato no telhado
aqueles olhos que luziam
o fantasma no meu quarto
tênue sombra enluarada
sombra de silêncio
eco da madrugada

era um gato e caminhava
atento a tudo que havia
a um insone na janela
que à sua sombra acudia
lentamente foi embora
lentamente raia o dia

era um gato e um poeta
um do outro estranhos
um do outro fantasmas
um do outro silêncios

aquele agora quer cama
este agora quer braços.


Fred Matos é autor de Melhor que a encomenda (FUNCEB, 2006). A foto é de leoberaldo, retirada do Flickr.