sábado, 17 de abril de 2010

"SEREIA LOUCA QUE DEIXOU O MAR"

Gerana Damulakis

Tenho um amigo, escritor como sempre, que foi morar nos EUA e não manteve contato durante os últimos anos. Esta semana recebi um e-mail dele, só que usando apenas um dos seus dois nomes (ele usava ambos, é um nome composto) e o seu último sobrenome (quando usava, no passado, o outro sobrenome). Estranhei. Respondi o e-mail pedindo uma prova, algo que me garantisse que se tratava dele mesmo. Ele escreveu apenas: "sereia louca que deixou o mar". Pronto, estava provado que era ele mesmo, pois o que escreveu foi um dos versos que mais amo (e ele recordou este fato) de Mário de Sá-Carneiro. O verso pertence ao poema "Estátua Falsa", cujo movimento pendular se traduz em melodia poética de primeira.

ESTÁTUA FALSA

-------------------Mário de Sá-Carneiro

Só de ouro falso os meus olhos se douram;
Sou esfinge sem mistério no poente.
A tristeza das coisas que não foram
Na minha'alma desceu veladamente.

Na minha dor quebram-se espadas de ânsia,
Gomos de luz em treva se misturam.
As sombras que eu dimano não perduram,
Como Ontem, para mim, Hoje é distância.

Já não estremeço em face do segredo;
Nada me aloira já, nada me aterra:
A vida corre sobre mim em guerra,
E nem sequer um arrepio de medo!

Sou estrela ébria que perdeu os céus,
Sereia louca que deixou o mar;
Sou templo prestes a ruir sem deus,
Estátua falsa ainda erguida ao ar...



Ilustração: mais uma beleza da arte de Rafal Olbinski.

30 comentários:

Lisarda disse...

A poesía já dá nossas respostas, bém por teu amigo!

C. Cardoso disse...

Gerana, perante este post só me apetece dar-lhe um abraço apertado e beijar-lhe a alma.

Jefferson Bessa disse...

Os versos "marcam" e nos identificam. Agora também vou lembrar de você ao ler esse verso de Sá-Carneiro.
Um prazer ler o seu texto.

Beijos.
Jefferson.

Muadiê Maria disse...

Poesia linda.
É sempre tão bom vir aqui!
um beijo

Edu O. disse...

Eu estou hoje pura emoção. chorei lendo isso.

Marcus Vinícius Rodrigues disse...

poema lindo. Adoro o Mário de Sá-Carneiro, adoro a poesia portuguesa de ontem e de hoje. Eles são mesmo especiais.

Bípede Falante disse...

Gerana, o poema é lindíssimo e a história da sereia louca adorável.

glaucia lemos disse...

É disto que falo quando repito que as palavras são mágicas e é isso o que me encanta quando escrevo. Palavras simples que constroem este verso,"sereia louca que deixou o mar", o sentido, a sonoridade que vem da forma como foram arrumadas, e canta a nossos ouvidos. Isso é que constitui a magia das palavras.Um verso inesquecível em um poema de mestre.

Janaina Amado disse...

Adorei a senha de seu amigo. Realmente, o verso é lindo, assim como o poema. Poetas se entendem entre si.

Fernando Campanella disse...

Nestes versos de Sá Carneiro temos o mesmo tom de Florbela:

...Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que nunca na vida me encontrou!

O confessional, o impasse, o 'cul-de-sac' existencial que nos legaram versos luminosos na melhor tradição do lirismo português.

Grande abraço. Olha, eu não havia pensado em escrever uma série 'A céu aberto', mas você me deu um ótima ideía, versos curtos compondo um painel de minhas Minas interior, e com ilustrações de minhas fotos, rs...
Grande abraço.

Cristiano Contreiras disse...

Sensibilidade fala mais alto em seu blog, gostei do espaço pois é pura intensidade...

sigo seus passos, cara conterrânea!

abraço e retorno!

Anônimo disse...

O poema é lindo, e o episódio onde as pessoas se identificam através de um verso tão bonito é encantador.
Ana Liése.

Pena disse...

Doce e Simpática Amiga:
Uma visita de alguém fabuloso que possui uma admirável postura poética de sonho.
VOCÊ tem um valor precioso no que concebe.
É Extraordinária.
Serei sempre um seu amigo sincero.
Beijinhos de amizade ao seu encanto.
Sempre a admirá-la e a respeitá-la.
Deliciosa escolha de um poema sublime de talento poético fabuloso.

pena

Aqui mora a felicidade e a ternura de si e do que faz com brilhantismo e de forma fascinante.

MUITO OBRIGADO pela simpatia da sua visita. Adorei. É fantástica.
Bem-Haja, notável amiga de sonho.

Tania regina Contreiras disse...

Que beleza de versos. A senha é uma senha poética, quem dera todas fossem!

Abraços!

Anônimo disse...

Perfeito. O post, a história da senha, a poesia e a imagem. Lindo!

Paulo Tamburro disse...

GERANA,

ESTOU LHE CONVIDANDO PARA CONHECER MEU BLOG DE HUMOR: "HUMOR EM TEXTO".

ALÉM DESTE TENHO DOIS OUTROS:

"FOTOFALADA" e

"COMO ERA FÁCIL FAZER SEXO".

GOSTARIA, SE POSSÍVEL DA SUA INDISPENSÁVEL OPINIÃO,

UM ABRAÇÃO CARIOCA.

Ana Tapadas disse...

Querida Gerana:
Gosto muito deste poema de Sá-Carneiro - esse amor sobrevive à rotina do meu trabalho (se é que a há naquilo que faço como eterna aprendiz). Quem diria que um seu amigo usaria um verso/identificação daqui!
Vou lembrar-te cada vez que ler este poema.
Beijinho

Unknown disse...

A poesia como senha, e nos versos de Sá Carneiro. Maravilha. Abraço

aeronauta disse...

Que história bonita entre dois amigos, pontuada pela literatura, por tão belo poema!

João Renato disse...

Oi, Gerana,
A sua história é deliciosa.
E o poema desperta uma outra especulação: como pode uma confissão tão dolorosa de alguém tão jovem ser, ao mesmo tempo, tão bonita como poesia ?
Abraço,
JR.

Bernardo Guimarães disse...

o melhor de tudo foi ver o reencontro, a confirmação do amigo através da poesia. tudo muito bonito neste texto.

Nilson Barcelli disse...

Foi interessante a forma que ele encontrou para comprovar a sua identidade.
O poema, é um clássico da poesia.
Querida amiga, um beijo.

Rafael Castellar das Neves disse...

Ótima ideia essa...e muito bem proposta...gostei bastante!

Rafael

A Itinerante - Neiva disse...

Oi Gerana.

Adorei o poema. É triste como Florbela. E escrito por um homem? Lindo mesmo!

Beijos

M. disse...

Eu voltei, timidamente, mas voltei. Bjs, M.

M. disse...

Eu voltei, timidamente, mas voltei. Bjs, M.

Adriana Riess Karnal disse...

Gerana,
Que linda estória...sabe q fiquei um pouquinho emocionada?rs..o poema é lindo mesmo

Anônimo disse...

Gerana, que delícia de história, merece um conto, uma ode, um beijo enorme de agradecimento. Ganhei a noite!

Anônimo disse...

Não resisto:
Serei
A louca
Que
Deixou
O mar?

BAR DO BARDO disse...

Lindo poema, não me recordo de leitura.