sábado, 7 de novembro de 2009

CESÁRIO VERDE E PAUL CÉZANNE: UM PARALELO TECIDO

Gerana Damulakis


Luís Antônio Cajazeira Ramos construiu um paralelo interessante entre o pintor Paul Cézanne (1839-1906) e o poeta Cesário Verde (1855-1886). Cajazeira disse que Cesário Verde foi, para a poesia de língua portuguesa, o que Cézanne representou para a pintura européia. Tal representação do francês tem fundamento na sua “concepção arquitetônica da composição”, como dizem as palavras do próprio Paul Cézanne. Resultado: sua obra funcionou como uma ligação entre o impressionismo e o cubismo, daí Matisse e Picasso terem considerado Cézanne “o pai de todos nós”.
Cajazeira Ramos lembrou que, embora Cézanne não tenha fundado escolas, escolas foram fundadas graças ao seu legado. E concluiu: assim como, sem Cesário Verde, não existiria Pessoa, Augusto dos Anjos, Drummond, pois ele abriu o caminho para o futuro. O poeta-pintor, como foi rotulado, Cesário Verde colocou em palavras suas imagens visuais plenas de realismo.


DE TARDE
Cesário Verde

Naquele piquenique de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela;
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aquarela.

Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas.

Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, inda o sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão-de-ló molhado em malvasia.

Mas, todo púrpuro, a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas!

Lisboa, O Livro de Cesário Verde, 1887

Poema de Cesário Verde retirado do volume Cesário Verde – Todos os Poemas – Organização, Introdução e Bibliografia: Jorge Fernandes da Silveira (Rio de Janeiro: Sette Letras, 1995).
Ilustração da postagem: de Paul Cézanne, Baigneuses 1874/1875 – Metropolitan Museum Nova Iorque.

5 comentários:

claudio rodrigues disse...

Realmente, vi Drummond em Cesário, o "Cidadezinha qualquer", a vida pacata, tudo correndo devagar, a descrição em camera lenta, os detalhes, as nuances de um lugar tranquilo. "POmar amor cantar...Eta vida besta, meu Deus!"

BAR DO BARDO disse...

Interessante ligação. Excelente poema!

Anônimo disse...

Fico encantada com estes paralelos.
De facto, parecem-me indissociáveis a intimidade e o necessidade que uma tem da outra (literatura/pintura).
Quando a literatura nos transporta para um outro mundo, nos faz viajar (como refere um anterior post da Gerana), já repararam na representação de imagens que temos e fazemos diante da página que torna tudo o resto invisível?

Em Portugal saiu recentemente um livro que faz uma pequena coletânea de entrevistas da Paris Review.
Transcrevo uma frase de Hemingway que me parece muito adequada para ilustrar associações, paralelismos e projecções que cada um de nós faz na leitura ou na pintura:

[...] Leia o que escrevo pelo prazer de o ler. Tudo o que lá encontrar corresponderá àquilo que você levou consigo mesmo para a leitura.[...]

O poeta Cesário associado a Cézanne faz-nos acrescentar um olhar maior à palavra que nos corresponde.

Um abraço transatlântico.

Maria Helena

Ana Tapadas disse...

Querido Cesário, que a cidade debilitava, mas que a viu deambulando fotograficamente - obsessão de ver.
Ler transversalmente é sempre muito interessante.
Sobre a avaliação de professores - principal responsável pela minha «netpressa» - nada posso comentar, pois estou obrigada ao sigilo de avaliadora. É polémica, sim. Podes ver um blog intitulado Profavaliação, por exemplo...só para que entendas o mal estar é tanto, nas escolas, que tendo eu 10, fiz recusa de Excelente e requeri Muito Bom. Não por falsas modéstias, mas porque assim posso sorrir aos meus colegas e amigos de sempre.
beijo

cduxa disse...

Lembro-me de ter tido uma nota excelente na análise literária de um poema de Cesário Verde (no antigo 7.º ano do liceu)pois fiz uma relação do mesmo com o Impressionismo.
Adoro Cesário Verde e a pintura impressionista.Daqui a alguns dias estarei no Louvre e poderei deliciar-me.
Canduxa