domingo, 19 de julho de 2009

LITERATURA E SOFRIMENTO

Gerana Damulakis


Para escrever bem é preciso sofrer, sofrer.
Dostoiévski

Não escondo o quanto gosto de frases de escritores, como elas povoam a minha mente durante o dia, durante a noite. Mas sei reconhecer quando uma bela frase ou uma frase impactante são apenas uma frase bela ou uma frase de impacto.
Como contestar um escritor do quilate de Dostoiévski? Nem é o intuito. Ele foi aquele que, na análise psicológica dos seus personagens, soube, como ninguém, penetrar nas profundezas do ser humano (como bem diria Hélio Pólvora, ou melhor, como disse Hélio no nosso mais recente encontro). E soube mostrar o quanto o sofrimento é uma questão existencial, sem escapatória.
Fiz a pergunta para Aramis Ribeiro Costa: “Você acha que é necessário sofrer para escrever bem?”. Ele disse que sim, só que fomos adiante na decifração do que se chama sofrimento. Ele falou dos conflitos de cada um.
Mais do que a filosofia (sim, filosofia mesmo) de Dostoiévski, mais do que a sabedoria do quanto de dialética uma mente pode carregar, o sofrimento do autor de Crime e Castigo está relacionado ao conflito citado por Aramis e, na sua maneira de observar, está relacionado à capacidade de lidar bem ou mal com a dinâmica da vida.
Talvez o resultado, o escrever bem, não seja apenas consequência de uma carga enorme de sofrimento. Houve quem escrevesse bem e tivesse passado bem pela vida. Contudo, a obra deste não trouxe o debate fundamental, o é isto e é aquilo da dialética, as idiossincrasias que fazem o leitor sentir mais intensamente o grande absurdo que é a vida. Talvez este escritor tenha contado casos, encantado os leitores, mas não levantou perguntas, não mexeu com as interrogações. Ainda assim, um grande escritor, uma obra reconhecida.
Daí me confundo e volto para a frase de Dostoiévski. Vai ficar rodando na minha cabeça, seguramente.

7 comentários:

aeronauta disse...

Não consigo me identificar com a obra literária alegrinha, que não passa investigação existencial e, por conseguinte, carga imensa de sofrimento. Vida é sofrimento; a alegria provém da nossa felicidade em constatar que a boa literatura sabe de tudo isso, tão profundamente.
Delicioso debate esse.

Pedro disse...

Eu sei qual a obra "alegre" que temos na história da nossa literatura e também penso, como você, que é uma grande obra, mesmo sem sofrimento.
A obra que vem do sofrimento vivido traz outra coisa, traz profundidade.
Há hora para uma e hora para a outra.

Senhorita B. disse...

Concordo com tudo.
bjs

Flamarion Silva disse...

Li as "Memórias do Subsolo" e saí doente, marcado. Há, naquelas histórias, sofrimento. Ainda lembro o início de "O subsolo":
"Eu sou um homem doente. Sou um homem malvado. Sou um homem desagradável. Creio que tenho uma doença do fígado. Aliás, não compreendo absolutamente nada da minha moléstia e não sei mesmo exatamente onde está o mal."
Ganhei de presente do pessoal da Video Hobby um "Crime e Castigo", que considero meu melhor livro. Há também uma novela que gosto muito: "Uma história lamentável."
"Noites brancas", igualmente.
Vale a pena ler Dostoievski, e sair doente, ou seja, medicado para a vida.

glaucia lemos disse...

O debate vem a calhar. Por coincidência hoje o poeta Luís Cajazeira me perguntou qual o livro de outro autor que eu gostaria de ter escrito. Sem precisar pensar respondi Os Irmãos Karamazov.A frase em questão me parece colocar o assunto de modo simplista. Acho que o sofrimento não precisa ser o da alma atormentada,sim o da emoção com a qual a história nos punge. Friamente, sem a angústia da criação que inconscientemente escava angústias reprimidas (os conflitos referidos por Aramis) não é possível escrever nada que passe ao leitor a sensação de verdade. Acabará fazendo uma literatura de "oba oba".

Carlos Vilarinho disse...

Acho que todos sofrem, alguns incondicionalmente. A maioria contudo não reconhece o sofrimento diário. O escitor não, ele reconhece e mergulha.

Lidi disse...

Gerana, passei uns dias sem acessar teu blog e quando venho me deparo com tantos posts maravilhosos! Adorei todos! Sobre este aqui, concordo plenamente. E depois de refletir um pouco, constatei que tudo que escrevi, até agora, foi sobre a minha angústia, a minha sensação de deslocamento, de estranheza, de solidão, de dúvida... nunca consegui escrever um poema "alegre". Um beijo!!