sexta-feira, 1 de maio de 2009

AO VENCEDOR, AS BATATAS

Gerana Damulakis


Na sua coluna de 22 de abril da revista Veja, Diogo Mainardi lembrava Quincas Borba e seu cachorro Quincas Borba. Tudo porque Barack Obama deu o nome Bo para seu cachorro (iniciais de seu nome, claro está!). Porém, o mais importante que encontrei no texto de DM foi a colocação que ele fez a respeito da "implacabilidade do pensamento de Machado de Assis", que “está claramente refletida na trama do romance Quincas Borba, em que os bandoleiros conseguem pilhar todas as batatas e os tontos morrem na miséria”.
Devo admitir que é inquestionável tal juízo de valor no que toca a Machado. Diogo diz que o autor trata o personagem Quincas Borba como um demente, embora a filosofia criada por Borba, o Humanitismo, pareça “condensar e caricaturar as idéias do próprio Machado de Assis, com aquele seu realismo reacionário, com aquela sua crueza fatalista, com aquele seu conformismo desiludido, com aquele seu azedume zombeteiro”. Não chegarei a reproduzir a coluna, mas confesso que preciso me conter para não fazer isto porque sinto falta do Diogo Mainardi dos tempos das resenhas literárias, seja por suas sacadas, seja pela irreverência que, também ali, ele colocava. Voltando ao romance do Bruxo do Cosme Velho: o trecho que atesta o “caráter benéfico da guerra” terá que ser inevitavelmente reproduzido. Nunca é muito reler o mestre da literatura brasileira; afinal, Machado é Machado.
O famoso trecho, então. Quincas: “Supões tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As batatas apenas chegam para alimentar uma das tribos, que assim adquire forças para transpor a montanha e ir à outra vertente, onde há batatas em abundância; mas, se as duas tribos dividirem em paz as batatas do campo, não chegam a nutrir-se suficientemente e morrem de inanição. A paz, nesse caso, é a destruição; a guerra é a conservação. Uma das tribos extermina a outra e recolhe os despojos. Daí a alegria da vitória, os hinos, aclamações, recompensas públicas e todos os demais efeitos das ações bélicas... Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas”.
O grande ensaísta Roberto Schwarz, intitulou um dos seus livros, Ao vencedor as batatas. Na verdade, a metade, como ele diz, de um estudo sobre Machado de Assis. Título perfeito (a leitura, imperdível). Trago tudo isto aqui para concluir o quanto da literatura está na linguagem do cotidiano, como: “A mão que afaga é a mesma que apedreja”, de Augusto dos Anjos, verso usado para expressar o espanto com a atitude de alguém que já nos acarinhou um dia; “E agora, José?”, de Carlos Drummond de Andrade, diante da falta de opção, após a estupefação; “ Vou-me embora p’ra Pasárgada”, de Manuel Bandeira, quando queremos deixar tudo e partir para bem longe; “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”, de Fernando Pessoa e outros tantos exemplos.
Finalizo com versos de Drummond que invariavelmente digo: “Como viver o mundo/ Em termos de esperança?/ E que palavra é essa/ Que a vida não alcança?”. Competindo sempre nos meus pensamentos, finalizo também com os versos de Bandeira: “A vida que poderia ter sido e que não foi”, ou “ Este anseio infinito e vão/ De possuir o que me possui”. Não sei de qual dos dois poetas guardo mais versos, fazendo ecos dentro de mim. Quem ganha? “Ao vencedor, as batatas”.


Foto: Bandeira e Drummond.
www.usp.br

2 comentários:

aeronauta disse...

Lembrei-me de "A solidão e sua porta", de Carlos Pena Filho, poema que está sempre vivo no meu cotidiano, principalmente os dois últimos versos dessa estrofe:

"quando, por desuso da navalha
a barba livremente caminhar
e até Deus em silêncio se afastar
deixando-te sozinho na batalha"

pereira disse...

Bom texto. Prazeroso.