terça-feira, 30 de setembro de 2008

A CASA ANTIGA

Kátia Borges

Vivia em conserto,
a casa antiga.
Mudavam as telhas,
compravam madeira,
renovavam as ripas,
ajeitavam a cumieira.

A casa antiga, apenas
25 metros quadrados,
era tudo que restara
do passado, da família,
na vila, na vida. E não havia
outro modo de ter um teto.

Feito enxurrada, mais
e mais trocados iam
na eterna reforma.
E as janelas caindo,
o beiral carcomido,
o caibro, a terça, o pendural.

E pedreiros amigos
visitando as lojas,
o carro cheio de tijolos,
meio torto, e a casa antiga.
De nada adiantava
pintar paredes e portas
pôr cores sóbrias,
caprichar na tinta.

A cada chuva, o mofo
brotava do invísivel,
esparramando negro,
venenoso visgo, engolindo
todo esforço de mudança
e viço. Eram fantasmas,
ou memórias, que escorriam,
corroendo as novas vigas.

Até tornar ir embora imperativo.

Kátia Borges é autora do volume de poemas De volta à caixa de abelhas (FUNCEB, 2001).

2 comentários:

Anônimo disse...

Fazia tempo que não ouvia a palavra "cumieira". Agora eu li e ouvi. Ela trouxe a lembrança da minha infância, na casa em que morei. De certa forma eu a revisitei e ouvi outros sons familiares, que não existem mais. Só na lembrança...
Abraço.

Anônimo disse...

Um poema que traz para fora da memória todo um passado através da morada de outrora. Muitíssimo bem sucedido.